terça-feira, 14 de setembro de 2010

Gigante, por Tiago Ramos



Título original: Gigante (2009)
Realização: Adrián Biniez
Argumento:
Adrián Biniez
Gigante deixa-nos na dúvida e liberta de novo o debate que de vez em quando se instala. O que é, de facto, o Cinema? É ficção, realidade, é uma mistura de ambos? Deve ser ficção, mas verosímil? Ou deve ser a realidade tal como a vemos, longe de acessórios e aparências? Deve ser floreado ou cru?



Adrián Biniez traz-nos um Gigante, do Uruguai. O que é sempre agradável, dada esta tendência corrente de as distribuidoras portuguesas exibirem filmes – mesmo que em apenas uma ou duas salas – que raras vezes tinham oportunidade de estrear no nosso país. Este ano chegaram já da Argentina os filmes Bombón: El Perro (2004) e El secreto de sus ojos (2009), Tony Manero (2008) do Chile, La teta asustada (2009) do Peru e Whisky (2008) também do Uruguai, tal como este Gigante. Este filme insere-se num género interessante e cada vez mais comum: o do realismo social. E aquilo que vemos em Gigante é o filme do quotidiano, de rotinas, de banalidade, de gestos, movimentos comuns. Jara e Julia são trabalhadores invisíveis. Trabalham nos bastidores de um movimentado super-mercado para que no dia seguinte tudo corra com a maior normalidade possível. Ele é segurança e monitoriza as câmaras de vigilância. Ela é empregada de limpeza no horário nocturno. E daqui Adrián Biniez cria uma bonita história, principalmente porque ela é real. É uma paixão que nasce através das imagens que as câmaras internas captam.

Gigante conta a história à medida que ela se vai passando, sem pressas, de uma forma natural e detalhada. Jara, o gigante de serviço, é um homem no estado dormente. Como muitos de nós. O trabalho que explora os limites do tédio, as horas excessivas de trabalho, pessoas que trabalham de noite e lhes restam poucas horas de descanso e lazer. Mas existe um diferença considerável entre o a atitude de Jara e Julia face ao trabalho. O gigante está realmente adormecido, o tédio é-lhe inerente, enquanto que Julia tenta aproveitar o seu tempo livre ao máximo. Nasce assim um amor platónico – no senso comum da expressão e não na sua verdadeira acepção – altamente improvável. Um retrato obsessivo tão inquietante quanto comovente de um homem que dentro da sua aparência imensa e desajeitada acaba por se tornar num protector anónimo, à medida que a sua própria vida e atitude vai mudando.



Adrián Biniez brinca com os medos modernos do Big Brother e da vigilância contínua, sem ser pretensioso. As câmaras do quotidiano originaram uma paixão, mas ao mesmo tempo cria momentos incómodos para o protagonista. É um retrato ambíguo que nunca se foca em debater o assunto especificamente, mas que deixa uma ponta solta para tal. E é maioritariamente essa técnica usada em Gigante: a de instigar a reflexão de uma forma subtil, sem ser necessariamente moralista ou panfletária. Lança achas sobre temáticas de foro social, sobre a influência das imagens e sobre a obsessão. Mas também sobre a importância – ou não – da comunicação numa relação, num mundo globalizado e altamente informatizado.

A dada altura ficamos na dúvida sobre o desfecho de tal obsessão do protagonista – mas na verdade nunca o achamos maníaco, o que advém da excelente interpretação de Horácio Camandule. E curiosamente o desempenho é de destacar precisamente por ser natural – confirmando a tal tendência neo-realista que o filme utiliza. Este não é um actor profissional, mas simplesmente um professor da primária, do seu metro e noventa e três, descoberto pela produção.



Gigante é um filme introspectivo, simples e de ritmo calmo. Realista. Precisamente um género que o Festival de Berlim tem vindo a recompensar nos últimos anos, ainda para mais vindo da América Latina. Só assim se justifica que na mesma edição de 2009, La Teta Asustada tenha levado o Urso de Ouro e Gigante o Urso de Prata (bem como um Prémio Especial do Júri, Melhor Filme de Estreia e Prémio Alfred Bauer). É uma história fora dos padrões de Hollywood e dos clichés, é realista, honesto, contemplativo. É uma crónica moderna sobre o trabalho e a vida e por isso é tão aborrecido quanto ela – no bom sentido.

Mas daí levanta-se a reflexão subjacente: existe diferença entre a ficção e a realidade? Deve existir? É isto o Cinema? Arrisco-me a dizer que sim e que não, pode ser e pode não ser. Mas que Gigante é um grande pedaço de Cinema, lá isso não podemos negar.

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