quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Cidade, por Carlos Antunes


Título original: The Town
Realização: Ben Affleck
Argumento: Ben Affleck e Peter Craig
Elenco: Ben Affleck, Rebecca Hall, Jon Hamm, Jeremy Renner e Blake Lively

The Town já não surpreende como Gone Baby Gone. Mas também não é tão bom.
Há motivos claros para que não o seja, mas antes disso há algo mais importante a assinalar, a construção de um olhar singular de Ben Affleck como realizador - a confirmar, claro, pois dois filmes não são suficientes para garantir uma opinião tão firme, embora o indiciem com naturalidade.


Affleck encontrou o seu espaço de conforto na versão moderna do noir, com laivos claros de um discreto mas persistente humanismo dramático.
A sua escolha do material de origem permite-lhe trabalhar sobre estes pressupostos a partir de uma localização geográfica privilegiada que deverá conhecer bem.
Boston tem sido, nos últimos anos, fonte ocasional de grandes filmes do género.
Boston parece ser ambivalente o suficiente para seduzir pela força do crime e ainda revelar o encanto e a tristeza com que as personagens à margem desse ambiente são obrigadas a conviver.
Affleck fechou-se sobre os espaços cada vez mais apertados da cidade de forma a evitar leituras simbólicas globais e simplesmente contar uma história de personagens num ambiente rico.


Das personagens tem de nascer, então, a sustentação do filme e aqui está o primeiro ponto em que The Town perde para Gone Baby Gone.
Ben Affleck como protagonista não tem a ansiedade nem a corrosão que o seu irmão demonstrava e que fazia sentir a dor inerente ao ambiente em que se movia, mesmo quando este lhe afectava o espírito e levava o corpo pelo mesmo prazer de raiva e violência.
Os papéis seriam, até certo ponto, similares, mas o irmão mais novo tem mais capacidade para o enfrentar.
Daí que seja Jeremy Renner a estrela a partir do seu papel secundário. A sua violência controlada à força coloca-o sempre pronto a explodir.
A energia parece ir massacrando-o por dentro até que uma oportunidade súbita lhe permite derramá-la sobre outra pessoa.


A outra questão que enfraquece The Town é um sentimento desgarrado do argumento.
Os elementos fulcrais estão lá mas as ligações emocionais que dividem a personagem principal – a paixão que o leva a partir e a lealdade que pretende vê-lo ficar – surgem mais esporadicamente do que a trama exigia ou, pelo contrário, que coexistem mal com o fulcro criminal e mais interessante da história.
Talvez a culpa seja do livro de origem e não tanto de quem o adaptou, mas fica a sensação que o foco vacilou em determinados momentos.
Quero com isto dizer que a questão dramática deste noir saído de Boston ainda não está resolvida a contento como esteve em casos anteriores que o público terá facilmente na memória.
Mas continuando este caminho, Ben Affleck pode aproximar-se como realizador de um patamar de consenso em medida inversa daquele que granjeou como actor.



6 comentários:

  1. Cara, belo texto! Tô doido pra ver o filme. Ben Affleck é mesmo um ator mediano que parece estar se encontrando de vez em sua carreira.

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  2. "ambiente em que se movia, mesmo quando este lhe..."
    Falta aí qualquer coisa...

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  3. Gostei bastante da frase final...
    Muito bem construída!

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  4. Obrigado pela indicação Pedro.
    Corrigido.

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  5. Revejo-me na crítica, apenas porque é das menos favoráveis em relação ao filme.

    Deixou demais a desejar...

    ;)

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  6. Fui so eu que encontrou semelhanças com a obra-prima HEAT??? Este filme é bom, mas tem para mim o defeito de sair depois do filme de Mann! Bem sei que sempre existiram filmes semelhantes, mas foi impossível não estar sempre a comparar os dois enquanto via o filme.

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