quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Rede Social, por Carlos Antunes


Título original: The Social Network

Não estou no Facebook, nem pretendo estar. Não tenho qualquer interesse nessa rede social e, por isso, não tenho qualquer conhecimento sobre os factos que rodeiam o seu surgimento.
Isso permite-me olhar para este filme sem ter de discutir o grau de veracidade dos acontecimentos que não são de domínio público ou a pertinência sociológica de um relato que surge num momento em que não há um fim disponível.
Nem mesmo preciso de reflectir sobre se será justo que quem escreveu o argumento denote claras tendências negativas para com a informática.


Basta-me apreciar o facto deste ser um dos grandes filmes deste ano, inteligentíssimo e repleto das melhores características que formaram o cinema.
O argumento é uma lição de escrita. Embora não haja "acção", seja tudo assente numa sucessão de acontecimentos com "pessoas em salas", os diálogos têm uma qualidade interna que lhes permite terem um ritmo e uma intensidade que não aquieta o espectador mas o inebria. Há tom, música, vertigem nas palavras, que não são meramente recolha escrita de inteligência mas um trabalho de sonoridade bem urdido.
David Fincher manobra as imagens por esse argumento dentro de forma a encerrar-nos no interior da mente do seu personagem central, ponto de vista a partir do qual todas os acontecimentos deixam de ser julgados de forma clara e começam a formar uma verdadeira visão do entendimento que Mark Zuckerberg faz do mundo à sua volta.


A sua inaptidão social, a sua forma brusca de dizer as coisas tais como elas lhe surgem, a sua incapacidade de colocar o pensamento ao nível comum. Estas são as características que o impedem de vingar num mundo onde o seu padrão de inteligência deveria ser de excepção.
São características que derivam da sua incapacidade para atingir uma maturidade cognitiva na relação directa com as outras pessoas.
Daí que ele prepare um dos maiores truques já visto, uma piada monumental que acaba por demonstrar o verdadeiro poder.
O perdedor do jogo social reformata esse jogo numa plataforma onde só ele domina.
Quem quiser manter-se nos caminhos de maior sucesso das relações tem de se sujeitar às regras de quem nunca esteve perto de vencer
Quem tinha sucesso na interacção social física quererá tê-la na interacção social virtual e, para tal, estará a minar o processo tal como ele era antes.


Relações intrincadas longe da simplicidade que ele procura com a revelação da falta de uma opção do "Estado Civil" de uma pessoa.
O que Mark Zuckerberg julgava que investia nessas velhas relações não lhe parecia ter compensação a não ser naquela que tem com Eduardo.
Uma relação interesseira? Talvez, mas uma que, como se verá, tem traços mais profundos do que isso que apenas ficam por manifestar.
Seria credível concluir que Zuckerberg é um canalha, mas é por estarmos a olhar do interior dele para fora que as dúvidas brotam.
A sua forma de ver o mundo está condicionada pela sua intuição para a lógica que mina o entendimento emocional.
Podemos culpá-lo de imitar comportamentos baseados nas emoções erradas, mas não podemos culpá-lo de não entender a distinção.


Jesse Eisenberg tem uma interpetação notável de Mark Zuckerberg, porque mantém a existência do seu personagem abaixo da linha dos acontecimentos.
Mesmo as suas breves explosões são pequenos picos que procuram amenizar os que o rodeiam e não entendem a calma e a abstracção envolvidas no seu processo de existência.
O seu único arqui-inimigo possível (e, provavelmente, único amigo) é Andrew Garfield, um igualmente brilhante reverso, calmo e sedutor, para quem a criação informática é apenas um projecto com espaço para a amizade e a concretização.
O tecnologiamente inadaptado é quem sustenta o projecto sem mais do que uma vontade de partilha - da criação mais do que do sucesso.


No seio da obra de Fincher, não é difícil encontrar afinidades deste filme os restantes, mas acho que uma das mais interessante é com The Game.
The Social Network deixa o seu personagem central a olhar para o limbo no ecrã de um computador, reduzido à sua humanidade depois de dominar sobre todos os que o rodeiam. O homem que dominava a sua vida em The Game termina o filme aprendendo que a impotência deve fazer parte da vida.
Na altura The Game já sugeria a construção do puzzle sobre a vida, a ficcionalização da realidade sem consciência ou alternativa à vista.
Só que em The Game, a entrada no puzzle era forçada e a deriva de percepção nunca poderia ser resolvida por quem estava no seu interior.
No Facebook, pelo contrário, a entrada no puzzle é voluntária, milhões e milhões de pessoas sujeitam-se a viver uma ficção sem fim à vista e nunca saberão o que verdadeiramente se passa porque nem se interrogam.
Como em The Game, não é este o filme que conta o que se passa de verdade, não há resolução limpa para as massas.
Resta saber se a mera e eventualmente breve troca de ecrãs é suficiente para salvaguardar quem olha.


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