domingo, 19 de junho de 2011

Lixo Extraordinário, por Carlos Antunes


Título original: Waste Land
Realização: Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim
Elenco: Vik Muniz

A Arte ainda tem um valor para lá da mera capitalização que sofrem as obras à venda em leilões. Isso nos é recordado por Lixo Extraordinário.
A Arte ainda é capaz de valorizar material pobre, aparentemente inútil. O lixo é matéria-prima como qualquer outra e é, até, a subsistência de muitos catadores de lixo brasileiros.
Vik Muniz viu que, se o lixo serve para valorizar a vida de quem foi perdendo as restantes oportunidades, pode servir para valorizar um trabalho artístico.
Mais ainda, viu que esses catadores, como o próprio lixo, são matéria útil.
Que a sociedade, muitas vezes por pressão exercida subconscientemente, os coloque à margem, os tente afastar da vista para os esquecer e os tenha em conta como excesso e desperdício - como ao próprio lixo com que eles trabalham - é um erro gravoso.
Por isso Vik Muniz pega nos catadores e, além de modelos do seu trabalho, os torna também criadores.
A valorização das suas vidas, que darão origem aos retratos e ao próprio filme, está no processo de conclusão e está, sobretudo, nas suas próprias mãos.
Os sete catadores retratados terão agora de enfrentar a responsabilidade de se erguerem acima da vida que levam.
A Arte está a transformar aquelas vidas mas não é sem pesar a responsabilidade disso mesmo que Vik Muniz e os realizadores o fazem.
A Arte ainda tem um valor moral enorme, um determinante valor de transformação cultural. Uma beleza dominante que pode surgir a partir do lixo mas que nasce sempre nas pessoas que a criam.
Esse valor é o que leva um catador iletrado a guardar, por iniciativa própria, livros para a Associação de Catadores. Um reconhecimento do valor da Arte que quem deita fora livros praticamente novos perdeu à conta de tanta disponibilidade.
A Arte criada ao longo do filme como a do próprio filme traça um retrato social da nossa existência moderna que é tanto mais cruel para nós quanto as vidas dos catadores são mais tocantes.
Nenhuma destas vidas é menor do que o trabalho artístico a que deram origem. Sem as conhecermos, sem conhecermos o que fizeram para (até certo ponto) se auto-retratarem, o trabalho não teria o impacto que tem.
Só que estas vidas, se não fosse o olhar do(s) artista(s) também continuariam anónimas e resignadas em vez de terem progredido em direcção a algo melhor e, esperamos, duradouro.
Como disse Robert Motherwell, a Arte é muito menos importante do que a Vida mas a Vida estaria empobrecida sem a Arte. Lixo Extraordinário é a demonstração dessa frase.


1 comentário:

  1. Minha professora passou este documentário para a minha sala, é ótimo e nos faz ver que as vezes reclamamos de barriga cheia, enquanto essas pessoas que vivem no lixão, em condições menos favoráveis e são, simplesmente, FELIZES!!!
    :):DXD
    ;)
    :P

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