sábado, 9 de julho de 2011

Carancho - Abutres, por Tiago Ramos


Título original: Carancho (2010)
Realização: Pablo Trapero
Argumento: Pablo Trapero, Alejandro Fadel, Martín Mauregui e Santiago Mitre
Elenco: Ricardo Darín, Martina Gusman, Carlos Weber, José Luis Arias e Fabio Ronzano

Carancho é daqueles títulos discretos que se revelam maiores que o suposto. Integrado na selecção oficial do Fantasporto 2011 - um dos mais aclamados pelo público e crítica - e candidato argentino aos Óscares 2011, vem comprovar a vitalidade do cinema naquele país que no ano anterior conseguiu venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro com El secreto de sus ojos. Em Carancho voltamos a seguir Ricardo Darín como protagonista (não haverá outro?), desta vez dirigido por Pablo Trapero, cineasta argentino associado a temáticas como a denúncia social. Aqui dedica-se novamente a explorar personagens despedaçadas por aquilo que fazem para viver: um advogado que tenta obter acordos com sobreviventes ou familiares de vítimas de desastres rodoviários a fim de obter indemnizações (conhecidos por abutres) que vive atormentado pela consciência e vontade de mudar e uma médica, que sobrevive a turnos duplos de trabalho com recurso a drogas.

A câmara de Pablo Trapero é indignada, assim como a sua denúncia. De câmara na mão e com enquadramentos muito próximos das personagens, somos guiados conscientemente e apressadamente por uma intrincada rede médica defeituosa, com profissionais eticamente reprováveis e com poucos recursos, assim como toda uma máfia extensa de empresas de seguros e advogados que tenta obter benefícios das vítimas de acidentes rodoviários. É sobre essa denúncia que Carancho inicia de uma forma quase institucional: na Argentina morrem todos os anos mais de 8 mil pessoas em acidentes de trânsito, uma média de 22 por dia e mais de 120 mil ficam feridas. Toda essa vontade afoita de denunciar toda a indústria que se cria em redor da calamidade resulta num filme que se equilibra entre o drama e o thriller neo-noir.

O filme é violento e bastante seco. Embora sigamos uma história de amor intensa e problemática - e que grandes personagens são Sosa e Luján - Pablo Trapero quebra constantemente esse amor e carinho, com um retrato pessimista (ou na sua visão: realista) daquela que é na verdade uma tentativa de fuga de um sistema viciado. Destaque para o brilhante plano-sequência que encerra a narrativa fatalista (curiosamente já O Segredo dos Seus Olhos tinha um genial), filmada com mestria e desenvoltura incríveis ou ainda alguns travellings inteligentes sobre a cidade de Buenos Aires.

É verdade que o argumento quando tende a cair demasiado para o melodrama (consequência de uma cultura enraizada do género no cinema sul-americano) faz com que o filme perca metade do impacto que teria. O que nos vale é que entre injecções, sangue e estilhaços, Pablo Trapero sabe como conduzir o filme e oferece-nos um dos grandes filmes do ano. É verdade que com tanto talento, algum sai desperdiçado, mas Carancho merece uma vista de olhos.



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