domingo, 24 de julho de 2011

Diário de Uma Nanny, por Carlos Antunes



Título original: The Nanny Diaries
Realização: Shari Springer Berman e Robert Pulcini
Argumento: Shari Springer Berman e Robert Pulcini
Elenco: Scarlett Johansson, Laura Linney e Paul Giamatti

Sinto-me tão feliz quanto receoso de voltar ao sítio onde fui feliz. Explico-me.
Foi com American Splendor que me estreei enquanto crítico. Aí, Shari Springer Berman e Robert Pulcini inventavam um novo género – ou, pelo menos, conciliavam de forma genial três géneros aparentemente inconciliáveis.
O meu receio vinha das expectativas de como eles abordariam esta “simples” comédia.
Esta história de uma recém-licenciada que, ainda sem rumo, acaba acidentalmente a servir de ama ao filho de uma família abastada é uma recriação de Mary Poppins – o que um certo sonho com um chapéu-de-chuva vermelho confirma.
Mas não é apenas isso. E ainda bem, pois Mary Poppins é um dos filmes marcantemente evocativos da minha (e de muitas outras, creio) infância, pelo que numa comparação entre os dois, o mais recente sairia perdedor.
Como o prato mais bem cozinhado do mundo que nunca se compara ao que afectuosamente nos lembramos da nossa avó preparar.
Pergunte-se, então, o que tem de distinto?
Sobretudo, um sentido aguçado. Não só de comédia, mas da consciência de que os modelos familiares e comportamentais são muito distintos do que eram há quarenta anos atrás.
Por isso mesmo, a forma curiosa de retrato antropológico que é dado ao filme resulta muito bem.
Com o apagamento – de nomes, por exemplo – das figuras em torno de Annie (a Nanny, com um nome muito próprio para se afundar na sua própria função) sobressai a subjectividade da observação e intervenção no meio.
Vê-se, por exemplo, que Annie permanece com a família, apesar dos abusos que sofre, porque o seu desejo de os ver reconciliados é o que desejaria para a sua própria família.
Claro que, no final, as personagens quebrarão os moldes formatados do estudo, ganharão profundidade e nomes, como de outra forma não poderia ser.
Só que, também aí, o modelo não se torna convencional. Afinal, só depois da cisão de Annie com a família é que as relações familiares se reconstroem e, mesmo assim, amputada do pai.
A dedicação parece resultar num maior prejuízo do que a violenta – mas honesta – separação.
Aproveitando agora para retornar ao tom de “relatório antropológico”, é de notar que uma solução criativa da realização foi a de apresentar muitos dos intervenientes como figuras do Museu de História Natural.
Acontece muito ao longo do filme esta inventividade e originalidade conseguidas por Shari Springer Berman e Robert Pulcini nos jogos de personagens e que resultam numa estreia auspiciosa na comédia.
Esperemos que permitam a esta dupla de realizadores continuarem a progredir e a cativar-nos.



Publicado originalmente a 3 de Julho de 2007 e editado para publicação corrente

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