segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Fase 7, por Carlos Antunes


Título original: Fase 7
Realização: Nicolás Goldbart
Argumento: Nicolás Goldbart
Elenco: Federico Luppi, Daniel Hendler, Jazmín Stuart and Yayo Guridi

O início de Fase 7 marca o tom do filme na perfeição e, provavelmente, define desde logo a empatia de quem está a ver o filme. O acaso com que a cena define o herói do filme é delicioso.
Quando o casal está já a pagar as suas compras do mês e o anteriormente vazio supermercado é invadido por uma multidão pronta a aprovisionar a sua casa para o apocalipse. E o espectador percebe o que se está a definir naquela correria desesperada - porque conhece os códigos cinematográficos - mas o protagonista apenas olha com estranheza para a situação e continua a carregar o porta-bagagens.
Esse é o tipo de enlace narrativo que o filme vai explorar, a do herói casual sempre persuadido pelo acaso ou pela inspiração súbita e, quase sempre, alheia.
Um herói que apenas quer esperar que a quarentena passe, que acredita que é tudo passageiro e até entretido.
Como homem que é, entra em modo "líder da matilha" e começa logo a listar os seus bens e a protegê-los dos pedidos dos vizinhos. Mas, ao fim de uns dias, está divertido com a barba que lhe cresceu e, como uma criança, imita os pistoleiros dos seus filmes favoritos. A sua inconsciência é mais forte do que qualquer dos seus instintos.
Em seu auxílio vem um maníaco das conspirações preparado para o fim do mundo que, finalmente, acertou uma previsão. É daqueles casos que tantas vezes repete que o fim está próximo que, finalmente, ele teve tempo de chegar.
Os dois pólos de preparação para o fim do mundo conseguem associar-se, porque apenas procuram a sua própria independência solitária dentro da situação. Certamente que há alguma conveniência narrativa nisso, mas o efeito humorístico de ver o herói sacrificar os tímpanos para aprender a defender-se com quem sabe mais do que ele e, depois, ir para casa e mostrar-se como o "grande homem" à mulher grávida.
A narrativa nunca entrega de bandeja o sucesso da personagem, sempre mais perto do falhanço do que da sobrevivência. E consegue ainda guardar um cartucho - trocadilho intencional - para a admissível e irrisória resolução que vem, no final como no início, em auxílio de um herói relutante.
Um herói com quem empatizamos - e, por isso, queremos seguir nas suas desventuras - graças ao próprio comportamento ridículo que vai tendo.
No entanto, o humor do filme não apaga a sua exploração dramática da dinâmica de grupo encerrado numa situação-limite.
Entre o paranóico e o inconsciente estão outros personagens-tipo que acabarão por mostrar do que é feita a natureza humana.
E encerrados num prédio em quarentena, os personagens acabarão por se envolver num tipo de perseguição tensa que deve bastante a John Carpenter.
Com a nuance de que o humor volta a influenciar o resultado, intrometendo-se visualmente nos efeitos de cena, como o tiroteio de um western em modo cómico - imagine-se os adversários escondidos atrás de barris e disparando à distância de um braço sem nunca acertarem.
Neste caso esse efeito é conseguido através de uma garagem às escuras, iluminada apenas pelos próprios disparos num confronto que só vai resultar... à facada.
O filme é muito consistente nos seus objectivos humorísticos, embora o discurso de George H. Bush repetido como um bizarro mantra possa dar um toque mais socialmente perverso ao que se vê.
Uma das mais agradáveis visões do festival, embora se possa argumentar que não tem um verdadeiro traço de terror.


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