Realização: Roman Polanski
Argumento: Roman Polanski e Yasmina Reza
No final do visionamento de O Deus da Carnificina, uma das comparações imediatas que me veio à cabeça foi Fish Tank (2009). O que não deixa de ser curioso dado o contraste entre uma película que se assume pelo seu realismo social e outra pela sua propositada teatralidade. Mas a sensação enquanto assistimos ao "confronto" do filme é a mesma que a claustrofobia de um aquário. Aquário esse minuciosamente organizado por Roman Polanski sempre tão atento aos detalhes, tornando aquela sala um local de batalha deliciosamente orquestrado pelo design de produção de Dean Tavoularis (The Ninth Gate). É precisamente essa claustrofobia que torna o filme mais polanskiano (Polanski é daqueles poucos que consegue tornar o seu nome nome num adjectivo), além de toda a iminente tensão que culmina num inevitável conflito, mas também na certeza da existência de um lado menos civilizado em cada um de nós.
Roman Polanski tem aqui um dos seus mais interessantes trabalhos precisamente pela simplicidade subjacente, embora grande parte do mérito deva ser dado também a Yasmina Reza, dramaturga responsável pela peça God of Carnage e que aqui a adapta, juntamente com o cineasta, ao grande ecrã. É essa natureza teatral que serve precisamente como pretexto para ser criada uma comédia que pode ser vista como uma sátira social e que culmina também numa óbvia moral. A carnificina que o título sugere, começa ali, naquela sala de estar que encurrala tantos os anfitriões como os convidados e que serve como uma arena de batalha para ambos os casais que se digladiam abandonando o terreno da civilização para algo mais primitivo e que a banda sonora de Alexandre Desplat antecipa logo de início.
Mas o trabalho de O Deus da Carnificina nunca estaria completo sem o body of work dos protagonistas. Jodie Foster é precisamente a que mais surpreende ao retomar um estilo de interpretação que não víamos na actriz há muitos anos, mas excelentemente bem acompanhada por uma intensa e apaixonada Kate Winslet (num divertido desempenho) e por um Christoph Waltz (sempre com a sua marca irónica), a servir de sátira a uma civilização moderna e comprovar o excelente actor que é. E mesmo John C. Reilly, o mais mediano dos actores ali presente, prova regularmente durante o filme que merece estar ali. São eles que interpretam personagens que são encurraladas ali naquela sala e que se transformam gradualmente naquela que se vê com a verdadeira natureza humana: agressivamente instintiva.
E o remate de génio no argumento e na orquestração de toda a equipa é que naquela batalha constante, o alvo nem sempre é o mesmo e se, de início, os casais se opõem, rapidamente é tempo de se ver surgir (sempre com ironia anexada) a solidariedade masculina e feminina ou até a batalha entre membros do mesmo casal. Isto porque se há algo que O Deus da Carnificina nos quer mostrar (encurralando o espectador ali naquela sala) é precisamente os males sociais actuais que advêm de uma série de problemas retratados naquelas personagens, mas que culminam essencialmente na ausência de comunicação e na dificuldade de resolver conflitos.
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