domingo, 19 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro, por Carlos Antunes


Título original: The Iron Lady
Realização: Phyllida Lloyd
Argumento: Abi Morgan

Um biopic político precisa de um ângulo distinto para olhar a realidade conhecida. E se busca uma dimensão pessoal tem de provar que esta interfere na dimensão pública da figura política em causa.
Este é um filme que não consegue oferecer nem o olhar inovador nem a relevância pessoal sobre a mulher que mereceu um título tão imponente como "Dama de Ferro".
O conjunto de episódios que nos são mostrados sobre o percurso político de Margaret Thatcher não vão além dos mais conhecidos, daqueles que a televisão tratar de estabelecer como retrato mais vincado e, ao mesmo tempo, menos substancial de uma administração de onze anos.
No filme, a imagem desses anos é mesmo essa, com várias montagens do material retirado dos arquivos que dão ao filme o aspecto de um programa de memórias que acrescenta aos arquivos uma reprodução ficcional do comportamento das pessoas - e ficcional apenas porque há uma actriz a debitar os diálogos que não estiveram perante o escrutínio das câmaras mas que acabaram por chegar ao conhecimento público.
Há uma hipótese que, com tal  fomato, a intenção do filme seja tratar o tema da memória usando um ponto de vista priveligiado sobre acontecimentos conhecidos. Também isso acaba negado porque a personagem cujas recordações estão à nossa frente só vai aos momentos políticos, aos momentos que marcam tanto Thatcher como o Reino Unido.
Não há intromissões de natureza pessoal, nem falhas na relação com o tempo, nem equívocos sobre a verdade distante.
Para uma personagem de idade avançada tal já seria estranho, mas para alguém a braços com a doença de Alzheimer, tão perfeita memória é absurda.
Não basta que acrescentem à personagem de Margaret Thatcher os delírios com um marido já morto - em que o filme insiste até a táctica se tornar ridícula - para a tornar menos polida.
A Tatcher do filme raramente é humana, raramente é mais do que a ideia que dela temos. Isso faz com que a interpretação de Meryl Streep - cuja qualidade não está em causa - possa ser elogiada apenas por corresponder com os traços decalcados de um modelo real a que ainda pode ser comparada.
Para a qualidade de quem é intitulada como a melhor actriz da sua geração, encarnar Thatcher é um exercício simples, mesmo se envolve questões técnicas que têm de ser potenciadas.
O melhor do seu trabalho neste filme é mesmo a debilidade resiliente com que interpreta a Margaret Thatcher no tempo presente. Uma componente do papel que não precisava de estar associada a uma das figuras mais importantes da política do século XX.
A mais interessante Margaret Thatcher é, pelo contrário, a de Alexandra Roach. Uma Margaret Thatcher pela qual conhecemos um passado de fortes dificuldade e activismo sociais.
Acima disso, Alexandra Roach tem a seu cargo a mulher que terá de afirmar a sua relevância num sistema totalmente masculino, desafiando o próprio papel da mulher no quotidiano ainda antes de o fazer na política.
Depois dela e desse pedaço de História sobre a mais importante e, agora, possivelmente esquecida mudança que ela implementou, o filme nada mais tem a dizer, mesmo se tem sempre a mostrar a transformação de Meryl Streep, que não convence que seja por este papel que deva voltar a receber um Oscar.


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