segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Margin Call — O Dia Antes do Fim, por Carlos Antunes


Título original: Margin Call
Realização: J.C. Chandor
Argumento: J.C. Chandor
Elenco: Zachary QuintoStanley TucciKevin SpaceyPaul BettanyJeremy Irons e Demi Moore
Editora: Pris Audiovisuais

Num mundo em crise bastaria o drama do mundo da alta finança, bem escrito e bem representado, para Margin Call merecer o nosso interesse.
Destacaria outro motivo para dar atenção ao filme, a utilização do estilo e do ambiente pertencente a um género muito específico, o dos filmes sobre a Máfia.
Desde o início, no momento dos despedimentos, quando um chefe avisa os seus trabalhadores - como um capo com os seus tenentes - para "manterem as cabeças baixas e focarem-se no trabalho" enquanto, à sua volta, pessoas de fora da empresa se apresentam para liquidar... os postos de trabalho dos restantes.
Lá mais adiante há até a confissão sobre como é gasto o muito dinheiro que ganham, entre os luxos, a família e as poupanças sempre à espera do dia em que a fuga se torna realidade.
Por entre a conversa de estatísticas e percentagens, que só alguns mais especializados poderão avaliar pela sua verosimilhança, deparamo-nos com uma sugestão de interligação entre estes dois mundos em que o dinheiro e a hierarquização do poder são as bases estruturais.
Uma sugestão que acaba por se tornar um julgamento de valor dos comportamentos dos financeiros mas que não se mostra acusatória.
Parece apenas correr como a estruturação natural deste mundo em que um problema descoberto pela camada mais baixa da hierarquia obrigada a subir um patamar de cada vez, procurando uma cabeça capaz de liderar em direcção a uma solução para o grave problema em mãos.
A cada patamar que se sobe, os subordinados obrigados a recorrer a mais um patamar de chefia mostram todo o seu receio por não terem sido capazes de desempenhar o seu papel e evitar que alguém com uma folha salarial maior se veja obrigado a sujar as mãos.
Trata-se do receio de se verem do lado errado do uso do poder e de saberem o castigo que lhes pode, finalmente, ser infligido como eles souberam infligi-lo algum tempo antes. Aqui as balas foram somente substituídas por despedimentos ou dedos apontados à incompetência.
Quando o problema se revela demasiado grande para ser resolvido senão pelo estrato final da hierarquia, todo um protocolo reverente é colocado em marcha para que se possam dirigir ao dono da empresa em risco de entrar em falência.
Ele, um sujeito capaz de apresentar um sorriso nada reconfortante enquanto avisa que "não foi a inteligência que me colocou aqui", saberá resolver tudo colocando em marcha o processo de saneamento na ordem inversa da procura de uma solução e aqueles abaixo dele sabem que têm de se sacrificar em nome da estrutura - como da Família - se bem que aqui seguem sempre com compensações elevadas.
Talvez dos mais aspectos mais interessantes disto seja a maneira como a estrutura está montada através dos actores, subindo-se um patamar de qualidade a cada patamar de poder no filme, chegando-se de Zachary Quinto a Jeremy Irons.
Se não é tão linear quanto o faço parecer aqui é porque há nuances introduzidas a meio da escalada com uma mulher (Demi Moore) e uma figura jovem (Simon Baker) intrometendo-se no que se esperaria ser um mundo masculino e envelhecido. Claro que temos de considerar que ela está lá porque se tornou mais cínica que os homens com quem compete e ele porque tem desde tenra idade o mesmo tipo de pensamento feroz de quem está acima dele.
O argumento sabe tirar partido das aparições de cada um dos grandes actores que lhe dão voz e destaca a cada momento. Claro que é Jeremy Irons que se destaca por ser a cabeça do grupo e por ter um papel que o merece como poucas vezes tem tido em tempos recentes (e que nos seja permitido ver), ao mesmo tempo que a humanização da personagem de Kevin Spacey num assomo de última esperança na humanidade parece enfraquecer o resultado final do filme - até por marcar 
Mas este é um argumento que tem o seu clímax momentos antes do que acabámos por ver impresso nos jornais durantes os últimos anos em ondas mais fortes no mercado americano e depois em toda a repercussão pelo mundo fora até aos dias de hoje.
O filme é sobre como tudo começou e não nos foi permitido ver e não será possível esquecer a maneira como Jeremy Irons come descansado olhando a cidade do topo do seu arranha-céus enquanto o mercado financeiro vai sendo destruído segundo as suas ordens. Afinal de contas, àquela altura o chão que se abre não é sentido.
Um bem urdido pedaço de ficção que consegue ser esclarecedor da realidade (possível) enquanto se torna perturbadoramente fascinante. Como, para terminar como comecei, o mundo da Máfia, que censuramos com um deleite pela atracção que nos causa.



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