sábado, 27 de outubro de 2012

007 - Skyfall, por Tiago Ramos


Título original: Skyfall (2012)
Realização: Sam Mendes

A uma dada altura da história, a personagem M pergunta «Para onde vamos?» ao que Bond responde concisamente com um «De volta ao passado». É sobre esse mote que o vigésimo terceiro filme do franchise Bond e celebração dos seus 50 anos, assenta. É uma nostálgica viagem ao universo passado do espião mais icónico do mundo do cinema, cheio de referências: veja-se a (acelerada) cena de abertura em Istambul num regresso a parte da acção de From Russia with Love (1963), o estilo mortalmente sério da história ao estilo daquele introduzido em Casino Royale (2006), mas também o regresso ao humor clássico dos filmes de Roger Moore. Raras vezes esta dualidade entre modernidade e classicismo foi tão bem introduzida num filme, especialmente num blockbuster de acção, como neste capítulo dirigido por Sam Mendes. Um filme onde o vilão é uma personagem cujo método de acção assenta no ciberterrorismo e se move por razões estritamente pessoais, mas que simultaneamente tem uma postura perto de certas figuras clássicas da saga, especialmente no carácter, por vezes quase burlesco da sua personalidade. Não que esta personagem, enquanto vilão, seja das mais icónicas da saga, mas permite mais uma segura interpretação do espanhol Javier Bardem, cheia de interessantes maneirismos e de uma carga homoerótica que permitem uma identificação inclusive com a personagem que lhe garantiu o Óscar em No Country for Old Men (2007).

Mas não é também esta personagem que define o estilo deste Skyfall que, ao mesmo tempo que explora o modernismo versus classicismo, apresenta uma descida às sombras, ao lado mais negro tão bem personificado tanto pelo título como pelos (fantásticos) créditos iniciais. Na primeira parte do filme essa descida às sombras permite um olhar desinspirado sobre a figura anteriormente inevitavelmente heróica de James Bond - naquele conceito que por exemplo Christopher Nolan soube explorar muito bem, do herói negro entre os limites da moralidade. Um olhar negro que tanto Sam Mendes como o director de fotografia Roger Deakins (e também a banda sonora do sempre maravilhoso Thomas Newman) souberam sustentar. Um conjunto de parcerias de longa data com Sam Mendes que estabelecem aquele que será um dos filmes de acção - vulgarmente associados a um certo descomprometimento - mais perto do cinema de autor de sempre. Veja-se aquela maravilhosa cena - talvez uma das mais belas do ano - numa torre de Xangai, num brilhante jogo de luz e sombra, com néon e projecções coloridas. Veja-se a forma como uma grande maioria das personagens - especialmente Bond - é sempre filmada de costas e a contraluz. Uma forma de explorar o lado negro da personagem que, envolvida em traumas e motivações de carácter pessoal, até descarta o lado glamouroso e sensual das Bond girls para um raro segundo plano (se bem que Bérénice Marlohe merecia maior destaque).

É também em Skyfall que é dado um destaque maior à personagem de M, que assume aqui um carácter tão íntimo que até o simbólico título é muitas vezes associado à palavra "mãe". É a evidência daquela figura matriarcal que tem aflorado desde que assumiu a personagem e aqui o motivo da disputa entre Bond e o vilão Silva. Uma figura maternal, mas também moralmente dúbia e que ganha aqui a importância desde sempre necessária a uma actriz tão imponente quanto Judi Dench. É também este lado maternal que Sam Mendes sabe trabalhar simbolicamente falando: basta olhar para uma cena quase final em que assistimos a uma reinvenção da Pietà, de Michelangelo.

Skyfall é um filme de James Bond adequado tanto aos fãs como aos não-fãs do franchise. Uma excelente combinação entre comercial e autor, modernidade e classicismo, acção e drama, num dos melhores filmes da saga (e curiosamente com uma narrativa tão simples e linear), mas também num dos visualmente mais estonteantes. É o regresso de Sam Mendes, um dos mais interessantes autores da última década.


Classificação:

2 comentários:

  1. Uma homenagem a altura aos 50 anos de bond. Um deleite pra qualquer fã ou cinéfilo. Principalmente nas menções aos filmes anteriores nas cenas que você citou e em várias outras, como na com o Db5 que quase me fez saltar da poltrona. Clássico!

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  2. Também o achei um filme destacável no universo Bond e no universo actual de blockbusters, mas tão pouco o achei assim tão bom. Se existem planos ou mesmo cenas com valor acrescentado (aquela que falas, ou a da cena que introduz o vilão num plano que se prolonga), a verdade é que o filme é todo ele assente numa típica estrutura já tantas vezes vista, de que a própria saga do icónico 007 deriva, e com uma cadência por demais recorrente e sem nada a privilegiar. Não estava à espera de um rasgo de génio, e ainda que Sam Mendes saiba o que faz (é competente), tão pouco se pode dizer que é atrevido, no que poderia ter resultado num filme mais profundo, mais intenso ou simplesmente mais verdadeiro, na minha opinião.

    Apesar de tudo tem uma óptima fotografia, o maior destaque que lhe dou.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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