Pela primeira vez, o Split Screen introduz um convidado para efectuar uma breve cobertura da Mostra de Cinema de Belo Horizonte 2012, no Brasil. As opiniões são de Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema, a quem muito agradecemos pela contribuição.
A mostra que atualmente se encontra na sua sexta edição traz para Belo Horizonte um pedaço do atual panorama do cinema independente mundial buscando discutir os formatos, acordos de produção e financiamento e ainda realizar uma reflexão sobre o cinema independente contemporâneo. Além da mostra, são realizados oficinas e debates com convidados diretamente relacionados à produção de cinematográfica.
Holy Motors (2012), de Leos Carax
Todos desempenhamos vários papéis na sociedade. Nesse grande teatro, somos filhos, namorados, parceiros, patrões, amigos e muitos outros. Somos tudo isso e ainda sim, somos apenas um. Um único ator. Sobre esses papéis é Holy Motors (escrito e realizado por Leos Carax). O filme, um tour de force de Denis Lavant que ao longo de um dia na vida de seu personagem, vive onze vidas diferentes; onze variações de si mesmo. Um duende louco, uma velha pedinte, um homem em seus minutos finais de vida, um mercenário. É um universo kitsch, ora trágico, ora cómico. Tudo ambientado nas ruas da Paris que conhecemos. Carax não reconstrói a cidade luz do zero como uma metrópole futurista. A Paris de Holy Motors é a nossa Paris, o que muda aqui são as pessoas que nela vivem e não morrem; ou morrem e voltam para viver outra vida. No final, um musical, dois para ser mais exato. O primeiro, uma balada de despedida cantada pela Kylie Minogue numa atuação surpreendente. A última, uma canção que toca ao fundo quando Oscar (Lavant) termina seu dia e volta para sua última vida do dia. A que seria a sua real? Isso não importa. Pois como diz a canção: ninguém quer morrer, todos queremos mais tempo. Mais tempo para repetir os mesmos erros.
Killer Joe (2011), de William Friedkin
Em 2005, William Friedkin presenteou os cinéfilos do mundo todo com um estudo sobre a loucura com o ótimo e subestimado Bug. Sete anos depois, o diretor volta a explorar o tema, mas desta vez sem as nuances do filme de 2005. Desta vez, tudo já começa com um tom predominantemente over. É tudo muito bizarro, exagerado a até forçado desde o primeiro plano. Mas o que diferencia Friedkin de outros diretores é a capacidade de nos fazer acreditar naquele universo. O público entende logo que naquele universo não há tempo para nuances e subtilezas. Nos primeiros minutos de projeção já somos apresentados ao absurdo plot. Chris Smith (Emile Hirsch) deve dinheiro a alguns traficantes e para não morrer, decide contratar o killer Joe do título (Matthew McConaughey) para matar sua mãe e ficar com o dinheiro de seu seguro de vida. O filme divide-se em dois momentos: o da execução e o das consequências. Tudo tendo como pano de fundo uma América violenta, suja, pobre que só recentemente tem sido retratada pelo cinema americano. Um filme de grandes interpretações, destacando-se a dupla McConaughey e Hirsch.
Em 1931, Murnau contou a história de um amor proibido entre um pescador e uma jovem prometida, um relacionamento proibido que evocava o Tabu do título. Quase um século depois, amores proibidos continuam existindo, ainda que por motivos diferentes, a ideia de Tabu persiste e seduz-nos. Desta vez, o amor impossível é mostrado através das memórias de um velho (Henrique Espírito Santo) sobre seu tempo ao lado do monte Tabu com sua amada Aurora (Ana Moreira). As memórias apresentadas num ato ironicamente apelidado de “Paraíso” mostram-nos os principais momentos de um relacionamento proibido entre uma mulher casada e um amigo de seu marido. Como toda a história depende mais de quem conta do que o que é contado, vemos esse amor apenas do ponto de vista do amante, do jovem e aventureiro Ventura (Carloto Cotta).
É interessante notar que todos os diálogos são suprimidos. Neste momento a única voz que pode ser ouvida é a do nosso narrador. Sobre Aurora pouco realmente se sabe. O que nos é dado de informação nunca vem diretamente da personagem. Somos obrigados a confiar no relato de Ventura ou imaginar quem teria sido na juventude aquela senhora (Laura Soveral) viciada em jogos que vive apenas com sua empregada e nunca é visitada pela filha. Uma mulher que vive no presente as consequências de seus erros do passado e que tem como último desejo fechar uma ferida há muito aberta, revendo seu verdadeiro amor, Ventura.
E assim Miguel Gomes filma Tabu, um filme que não só é uma bela homenagem ao filme de Murnau, mas também a todo aquele primeiro cinema. Desta maneira, não é de se espantar que logo nos seus primeiros minutos, encontramos a boa Pilar (Teresa Madruga), numa sala de cinema. Pilar que preenche o vazio de sua vida ajudando os outros, mas que no fim, não tem ninguém para ajuda-la. O que a torna não tão diferente de sua vizinha Aurora. Seja na sua história, na sua fotografia, no seu formato ou na escolha da película usada, Tabu, além de uma bela história, é uma homenagem ao próprio meio que permitiu que tal história fosse contada.
Sem comentários:
Enviar um comentário