quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

00:30 A Hora Negra, por Tiago Ramos


Título original: Zero Dark Thirty (2012)
Realização: Kathryn Bigelow
Argumento: Mark Boal
Elenco: Jessica Chastain, Joel Edgerton, Chris Pratt, Jason Clarke, Kyle Chandler e Jennifer Ehle

Há que dizê-lo de forma clara e em bom português que Kathryn Bigelow é a realizadora com maiores "tomates" de Hollywood. E dizemo-lo não só porque a sua filmografia move-se num universo repleto de acção e adrenalina, habitualmente apenas reservado aos homens, mas também porque é uma cineasta bastante corajosa e sem espaço para grandes concessões. A polémica em que se situam alguns dos seus trabalhos - especialmente este, pelo seu tema facilmente tornado assunto político - é a prova da sua assertividade e da forma consistente e corajosa com que concretiza os seus filmes. Especulação ou factos, a verdade é que o próprio tom com que Mark Boal e Kathryn Bigelow (uma dupla que parece funcionar em completa harmonia) assumem a narrativa é bastante corajoso e assertivo, fazendo deste 00:30 A Hora Negra um filme bastante frio e clínico em grande parte do tempo. Inicia a acção com uma tela negra, onde se ouvem os gritos e os telefonemas das vítimas do atentado ao World Trade Center em 2001, de uma forma que poderia parecer uma tentativa de explorar o sofrimento alheio, mas que na verdade funciona de modo a inserir o espectador na acção. E onde parte com emoção - num grau subtil já que nunca tenta recriar visualmente esses eventos do 11 de Setembro - parte depois para a objectividade, com a câmara à mão, num estilo que por vezes quase parece que funde documentário e ficção. Esse mecanismo mantém o filme denso, tenso, cru e detalhado na forma como narra os factos e simultaneamente corajoso ao ser mais que uma produção meramente patriótica, subvertendo precisamente essa que poderia ser a sua intenção primária.

O trabalho de Kathryn Bigelow com a câmara é muito bem complementado com a fotografia realista de Greig Fraser e um magnífico trabalho a nível do design sonoro (como aliás já havia demonstrado em The Hurt Locker), o que só prova que os seus filmes são sempre pensados ao mínimo detalhe. A banda sonora de Alexandre Desplat é um dos seus melhores trabalhos este ano e contagia-se com as influências do Médio Oriente na narrativa. Esses detalhes técnicos contribuem para esta atmosfera episódica que o filme recriar, como se fosse um relatório militar sobre os eventos que levaram à captura de Bin Laden, mas que a personagem de Jessica Chastain trata de chamar a atenção para a sua realidade cinematográfica. Aliás, a sua composição é uma das suas melhores e mais ricas, profundamente premeditada e curiosamente inversa ao que habitualmente acontece quando encontramos mulheres num filme de acção.  A sua Maya é uma mulher frágil no seu exterior (e cujas aparições iniciais subvertem o esperado pelo espectador), mas incrivelmente fria, objectiva e forte no seu interior, e que vai evoluindo ao longo da narrativa. O elenco secundário é também ele de destaque, especialmente Jason Clarke e Jennifer Ehle (sendo ambos merecedores de uma nomeação ao Óscar), na forma como interpretam as suas personagens fortes, mas também no modo como se harmonizam com a protagonista tanto como a restante narrativa.

A sequência final (com cerca de quarenta minutos), repleta de acção e adrenalina, faz-se valer de brilhantes planos aéreas, câmaras de infravermelhos com imagens em tons esverdeados, planos de câmara tremidos e sufocantes, com uma tensão incrível e única e que provam mais uma vez o esmero da realizadora. Essa brilhante sequência termina a narrativa de uma forma para muitos quase anti-climática, mas que só confirma a genialidade de 00:30 A Hora Negra como um todo. E com um trabalho tão virtuoso, há que permitir essa intenção justa de fazer prevalecer o valor feminino da protagonista (já que o da realizadora é sempre evidente), num mundo tradicionalmente dominado pelos homens. Se o tom do filme é  ele patriótico ou reprovador, se a cena da tortura era necessária ou não, parece que é uma discussão não deveria estar em jogo aqui. Aliás, o caminho que o argumento e realização segue é precisamente o da assertividade, que não dá sequer margem para esses julgamentos (justo ou injusto, tenta apenas reflectir todas as vertentes de uma guerra que todos sabemos que não prima pelo moralismo). O que deveria estar a ser falado são os méritos cinematográficos de uma das melhores produções do ano e sobretudo uma das mais corajosas de sempre.


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3 comentários:

  1. 3 coisas: 1- este filme não é cinema; é propaganda para justificar atos horrendos praticados pelos EUA. 2- o senhor Tiago Ramos pode perceber muito de cinema, mas esta crítica prova que ele promove ou crucifixa filmes consoante os seus gostos pessoais. 3- acho inadmissível este senhor usar palavrões num blog de respeito como este.

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    1. 1 - "Cinema é a técnica e a arte de fixar e de reproduzir imagens que suscitam impressão de movimento", quem o diz é a wikipédia e eu aprovo. Portanto, mesmo que isto seja só propaganda, como diz, seria sempre cinema. Até o mau "cinema" é cinema.

      2 - É óbvio que uma crítica é baseada na opinião e gosto do filme por quem a escreveu. De outra forma não teria sentido. É impensável alguém detestar determinado filme e escrever que ele é 5*

      3 - Blog de respeito? 100% de acordo. Palavrões? Espere um pouco que eu vou buscar os óculos.

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    2. Propaganda para tortura? Se a cena de tortura serve para alguma coisa é para mostrar exatamente porque é tão condenável.

      A informação que levou à localização do paradeiro do OBL foi obtida, não como resultado da tortura de prisioneiros, mas sim através da análise e interpretação de dados, e de operações de vigilância - leia-se, o verdadeiro trabalho de "inteligência". Ao rebater as duas abordagens, confrontado a eficácia e a superioridade da segunda com o carácter desumano e a perversidade da primeira, o filme acaba na realidade por tomar uma posição anti-tortura.

      O facto do filme ter começado a ser filmado antes da morte do OBL e de a história ter sido alterada do fracasso da perseguição para o seu sucesso, demonstra claramente as intenções do filme: documentar e relatar, e não justificar e glorificar.

      A forma "real" como o assalto à residência foi filmado, mostra quão cruel e desumana é uma tal operação e mesmo tratando-se de um dos maiores assassinos da história, não deixa de ficar um sentimento muito desagradável no ar de que talvez não se devesse ter pago com a mesma moeda, porque parece inacreditável que um país civilizado autorize a eliminação de seres humanos com esta frieza e pragmatismo.

      A forma gélida e distante com que se aborda o tema confere quase um carácter niilista ao filme. Sabe-se o porquê da perseguição mas nunca se pára para perguntar se vale a pena cruzar as barreiras do que nos faz humanos para atingir o objetivo.

      O filme mostra todo um mundo obscuro, tenebroso e asqueroso, e mostra porque é que alguém (Maya - que dá corpo à consciência e ao sentimento americano) escolheria permanecer nesses meandros, abdicar da sua humanidade, da sua identidade ou de qualquer ambição pessoal. Tudo o que ela queria era apanhar e matar o OBL. E conseguiu-o. E depois? E agora? Valeu a pena? Foi feita justiça? A memória das pessoas que morreram no WTC foi honrada? Todas estas questões devem passar pela cabeça da Maya nos instante finais do filme, no entanto, como o filme não lhes dá resposta, terá de ser o espectador a encontrá-las no seu íntimo e é precisamente por isso que eu acho que o filme não glorifica a tortura nem a violência. Porque se limita a apresentar os factos e deixa os juízos de valor para o espectador.

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