Título original: Les Misérables
Realização: Tom Hooper
Argumento: William Nicholson e James Fenton
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Eddie Redmayne e Samantha Barks
A noite estava engalanada, com a sala de espectáculos do Centro Cultural de Belém transformada em cinema e libretos distribuídos à entrada.
As razões para tal ficaram por descobrir visto o filme revelar-se um insuportável acumular de tempo perdido, tal como a sala revelou servir muito mal à função pretendida e os libretos revelaram não serem mais que reproduções dos pósteres e dos chavões do filme.
Para aqueles que não podiam alardear que haviam estado em Londres ou Nova Iorque para ver o espectáculo em palco, a pergunta que restava era "Como?".
Como pode este musical ter estado tanto tempo consecutivo em cartaz e com salas cheias se...?
Se as mais importantes das suas linhas narrativas estão atabalhoadas pelo romance sem graça que se dá entre duas personagens esvaziadas das suas mais importantes características porque nenhum letrista consegue emular o efeito das muitas páginas que Victor Hugo pôde escrever.
Se a sua essência são as letras vulgares - que, talvez no seu original francês que ninguém pareceu referir, fossem mais inspiradas - e as melodias orelhudas mas repetitivas - para lá do ponto em que se diz que partilham uma composição-base.
Contra tal, resta admitir que encarar todos os trechos cantados como canções independentes seja, talvez, um engano. Os trechos são sentimentos expressos por via de monólogos (e, em raras ocasiões, diálogos) entoados.
Por isso se entende a opção de registar as interpretações dos actores sem o filtro do tratamento de estúdio, captando as interpretações do texto mais do que as interpretações vocais. A ideia exigia outro entendimento, de que as vozes são a primeira expressão da interpretação que se estende depois às expressões.
Convinha, em consequência, que o casting tivesse sido feito de acordo com as vozes e que fosse o realizador a extrair desses intérpretes uma representação do nível que desejaria que o elenco escolhido tivesse dado.
Samantha Barks e a sua Eponine parece confirmar essa ideia que teria evitado a constrição permanente de Russel Crowe, como quem tem sempre de se apresentar numa posição que lhe permita projectar a voz em vez daquela que melhor servia a representação. Até porque não há sinal de que essa posição lhe tivesse permitido produzir algumas notas agradáveis.
Era necessário que Tom Hooper não tivesse perdido o senso como realizador ou que não se tivesse atirado a um projecto para o qual (ainda?) não tem capacidades.
Até agora o seu talento era colocar a discrição do seu trabalho ao serviço do argumento e dos actores, até mesmo no mais ousado do seu trabalho televisivo em John Adams e que teve o seu melhor momento em Maldito United.
Aqui achou que a única forma de abordar os dramas dos personagens era num grande plano permanente, ocupando de tal maneira o ecrã com rostos - quando não goelas - que toda a cenografia se torna invisível.
Uma estratégia que só se justifica quando Anne Hathaway se entrega ao seu solo - ainda que com objectivos premiáveis... permiáveis a discussão - e que acaba por reforçar a ideia de que tanto o contexto histórico como a linha dramática que deveria opõr do início ao fim Javert e Valjean estão a ser apagados por uma vontade irreprimível de exibir a ideia de ter os actores a cantar "em directo".
Uma ideia que, na verdade, acaba com as possibilidades de extraordinária composição de cenas que gente talentosa dera ao Musical. Assim não admira que a câmara esteja sempre colada aos actores.
Qualquer escape a essa abordagem de Tom Hooper parece um momento de salvação do aborrecimento que nos vai impondo, sobretudo porque a primeira cena é a que mais se destaca e menos alerta para o que está por vir.
A escapatória explica o apreço que se gera pela cena de errante concepção protagonizada pelo casal Thenardier. Um momento humorado com uma música completamente divergente de todo o espírito anterior do filme mas cujo efeito mais pernicioso é dar a sensação de que o realizador, no momento em que lhe falha qualquer ideia melhor, se limita a repescar o estilo e o elenco que outro (Tim Burton com o seu Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street) juntou com muito melhor resultado.
Contra tal acumulação de elementos nocivos apenas recordo Hugh Jackman, que tem o talento - e o passado - capaz de sustentar a interpretação como aqui lhe foi pedida.
Mais do que isso, tem os episódios suficientes para construir uma personagem, enquanto que a maioria dos outros personagens, na sua função de efeito breve, têm de ser esquematizados em dois ou três versos.
Pode funcionar para manter o musical em andamento, mas não basta para dar riqueza ou interesse a uma história mal contada num registo que só parece pesar sobre ela em vez de a elevar a qualquer novo patamar.
As razões para tal ficaram por descobrir visto o filme revelar-se um insuportável acumular de tempo perdido, tal como a sala revelou servir muito mal à função pretendida e os libretos revelaram não serem mais que reproduções dos pósteres e dos chavões do filme.
Para aqueles que não podiam alardear que haviam estado em Londres ou Nova Iorque para ver o espectáculo em palco, a pergunta que restava era "Como?".
Como pode este musical ter estado tanto tempo consecutivo em cartaz e com salas cheias se...?
Se as mais importantes das suas linhas narrativas estão atabalhoadas pelo romance sem graça que se dá entre duas personagens esvaziadas das suas mais importantes características porque nenhum letrista consegue emular o efeito das muitas páginas que Victor Hugo pôde escrever.
Se a sua essência são as letras vulgares - que, talvez no seu original francês que ninguém pareceu referir, fossem mais inspiradas - e as melodias orelhudas mas repetitivas - para lá do ponto em que se diz que partilham uma composição-base.
Contra tal, resta admitir que encarar todos os trechos cantados como canções independentes seja, talvez, um engano. Os trechos são sentimentos expressos por via de monólogos (e, em raras ocasiões, diálogos) entoados.
Por isso se entende a opção de registar as interpretações dos actores sem o filtro do tratamento de estúdio, captando as interpretações do texto mais do que as interpretações vocais. A ideia exigia outro entendimento, de que as vozes são a primeira expressão da interpretação que se estende depois às expressões.
Convinha, em consequência, que o casting tivesse sido feito de acordo com as vozes e que fosse o realizador a extrair desses intérpretes uma representação do nível que desejaria que o elenco escolhido tivesse dado.
Samantha Barks e a sua Eponine parece confirmar essa ideia que teria evitado a constrição permanente de Russel Crowe, como quem tem sempre de se apresentar numa posição que lhe permita projectar a voz em vez daquela que melhor servia a representação. Até porque não há sinal de que essa posição lhe tivesse permitido produzir algumas notas agradáveis.
Era necessário que Tom Hooper não tivesse perdido o senso como realizador ou que não se tivesse atirado a um projecto para o qual (ainda?) não tem capacidades.
Até agora o seu talento era colocar a discrição do seu trabalho ao serviço do argumento e dos actores, até mesmo no mais ousado do seu trabalho televisivo em John Adams e que teve o seu melhor momento em Maldito United.
Aqui achou que a única forma de abordar os dramas dos personagens era num grande plano permanente, ocupando de tal maneira o ecrã com rostos - quando não goelas - que toda a cenografia se torna invisível.
Uma estratégia que só se justifica quando Anne Hathaway se entrega ao seu solo - ainda que com objectivos premiáveis... permiáveis a discussão - e que acaba por reforçar a ideia de que tanto o contexto histórico como a linha dramática que deveria opõr do início ao fim Javert e Valjean estão a ser apagados por uma vontade irreprimível de exibir a ideia de ter os actores a cantar "em directo".
Uma ideia que, na verdade, acaba com as possibilidades de extraordinária composição de cenas que gente talentosa dera ao Musical. Assim não admira que a câmara esteja sempre colada aos actores.
Qualquer escape a essa abordagem de Tom Hooper parece um momento de salvação do aborrecimento que nos vai impondo, sobretudo porque a primeira cena é a que mais se destaca e menos alerta para o que está por vir.
A escapatória explica o apreço que se gera pela cena de errante concepção protagonizada pelo casal Thenardier. Um momento humorado com uma música completamente divergente de todo o espírito anterior do filme mas cujo efeito mais pernicioso é dar a sensação de que o realizador, no momento em que lhe falha qualquer ideia melhor, se limita a repescar o estilo e o elenco que outro (Tim Burton com o seu Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street) juntou com muito melhor resultado.
Contra tal acumulação de elementos nocivos apenas recordo Hugh Jackman, que tem o talento - e o passado - capaz de sustentar a interpretação como aqui lhe foi pedida.
Mais do que isso, tem os episódios suficientes para construir uma personagem, enquanto que a maioria dos outros personagens, na sua função de efeito breve, têm de ser esquematizados em dois ou três versos.
Pode funcionar para manter o musical em andamento, mas não basta para dar riqueza ou interesse a uma história mal contada num registo que só parece pesar sobre ela em vez de a elevar a qualquer novo patamar.
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