sábado, 7 de setembro de 2013

INDIE 2013 (Belo Horizonte) - Dia 1 e 2


O Split Screen volta ao Brasil para fazer a cobertura do festival INDIE 2013, em Belo Horizonte. As opiniões são de Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema, a quem muito agradecemos pela contribuição.

Dia 1 - Sessão de Abertura

An Episode in the Life of an Iron Picker (2013), de Danis Tanovic Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela


Há uma ilusão, culpemos a literatura, o cinema ou porque não a cultura em geral, de que a vida é medida pelos grandes momentos, pelos picos de emoção, independente se estamos lidando com alegria ou sofrimento. Lembramos-nos do começo de um namoro, ou do dia de um término mais até do que dos detalhes de tudo que ocorreu e como ocorreu entre o começo e o fim.
Faço esta introdução para explicar o efeito buscado pelo diretor bósnio Danis Tanovic em seu ótimo An Episode in the Life of an Iron Picker (Epizoda U Zivotu Beraca Zeljeza, 2013). Muitos dirão que o filme é sobre um homem que luta para conseguir pagar o tratamento medico de sua esposa, apenas sobre este episódio como o próprio titulo evoca, mas dizer isso seria o mesmo que dizer que romances como Anna Karenina e Madame Bovary seriam apenas sobre mulheres e a decisão de trair ou não seus maridos. 
Um episódio é sobre o cotidiano, sobre o tempo que passa e que deixa suas marcas nas cicatrizes pelo corpo ou nas rugas pelo rosto. É sobre ser pai, mãe ou filho. É sobre se ver doente e não ter o luxo de se por de repouso. É saber que a casa continua tendo que ser limpa, a comida preparada, a roupa lavada, as crianças vigiadas. É escolher lutar para ficar vivo,  não por amor a vida, mas sim pelos outros. Pelas filhas que são novas de mais para ficar sem a mãe. 
A dura rotina de uma família cuja mãe se vê numa batalha para conseguir atendimento médico e sobre um pai que cata lixo e não ganha para manter a comida na mesa, a luz paga e o carro com combustível. É  a luta de um marido para conseguir dinheiro para o tratamento da esposa, e ao conseguir uma quantia, descobre que a energia foi cortada por falta de pagamento.
É um filme, um documentário, um híbrido de ficção e realidade. Tudo isso mostrado sem nenhum filtro, cruamente, da forma mais direta possível pelas mãos de Tanovic, que filma um mundo frio e cruel com seus moradores, mas que ainda assim encontra tempo para filmar por alguns minutos duas crianças brincando, ignorantes do que se passa ao redor. 

Dia 2

Computer Chess (2013), de Andrew Bujalski Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela


Há muito tempo qualquer discurso sobre originalidade ou a falta desta esbarra no seguinte problema: o que fazer, ou melhor, como fazer, se tudo já foi feito repetidas vezes. As histórias já foram contadas, daí se destacam aqueles que ao entender isso, percebem que o foco deve ser em como contar e não, o que contar.
Eis que surge um filme como Computer Chess (Idem, 2013), do americano Andrew Bujalski, cuja premissa é narrar um fim de semana na vida dos homens que tiveram como missão, no fim dos anos 80, ensinar a máquina a pensar como ou melhor que um homem. 
A princípio todo aquele universo parece interessar apenas aos computer nerds, apenas aqueles que já veem a máquina não apenas como parte do dia-a-dia, mas como uma extensão, um melhoramento do homem em si. Em certo momento da projeção alguém pergunta para um dos ditos nerds O que você está fazendo com a sua vida?” pergunta essa que se pudéssemos também teríamos feito. Mas o argumento, também de Bujalski, cria uma série de situações paralelas ao torneio de xadrez com computadores, para explicitar como de uma maneira ou de outra, também não sabemos o que estamos a fazer com nossas vidas. Com ou sem máquinas para tomar nosso tempo.
Adotando a estrutura de um falso documentário, com uma reconstrução de época de fazer inveja em qualquer superprodução hollywoodesca, Computer Chess nos convida como diz uma personagem a ver tudo através da câmara. Através desse olho mágico que capta e imortaliza as imagens por ela filmadas. Bujalski é brilhante ao usar momentos pontuais do roteiro, como o campeonato de xadrez com computador, a falha de algumas máquinas, o uso de entorpecedores pelos participantes do evento e grava tudo isso por cima da própria imagem que é distorcida, ganha ou perde cores, é dividida (várias belas sequências utilizam-se do split screen) perde sincronia com o som e vários outros recursos. Mas nada é gratuito, tudo é milimetricamente calculado para mostrar que por mais absurdo pareça querer fazer uma máquina pensar, o próprio cinema é um recurso tecnológico, é um fenómeno químico antes de lidar com a emoção do público que o assiste. 

Nunca foi e creio que por muito tempo continuará sendo difícil lançar um filme cujo tema central envolva questões LGBT. Há um problema com os estúdios que consideram arriscado investir na temática, há o problema com as distribuidoras que entendem que grande parte do público das salas comerciais não gostaria de ver esses filmes. Isso faz com que filmes como o polaco Floating Skyscrapers (Plynace Wiezowce, 2013) de Tomasz Wasilewski fiquem presos ao circuito de festivais e salas “arte” ainda que a qualidade do filme esteja longe de tal título. 
Só isso explica o que um filme tão raso, tão confuso e mal realizado mesmo, está fazendo no meio da lista de filmes seleccionados para esta edição do festival. Na história, vemos o jovem nadador Kuba (Mateusz Banasiuk) que vive com a mãe e a namorada. Kuba não tem coragem de assumir a sua sexualidade, mas entre um treino e outro consegue tempo para ter relações sexuais com algum desconhecido nos banheiros do ginásio onde treina. Tudo muda com a chegada de Michal (Bartosz Gelner), gay, recém-assumido, que se interessa por Kuba. Com o tempo a amizade vira algo mais e Kuba passa não suportar viver as escuras. 
A história longe de ser das mais originais é atrapalhada por dois fatores principais: a pretensão do realizador que parece querer reforçar a ideia de que o seu filme é arte e mais complexo do que podemos achar. Para isso ele usa uma cansativa troca de planos e contra-planos, tira o foco de algumas sequências e não se preocupa com o enquadramento de outras. Há algumas situações vergonhosas como a insistência em filmar Kuba, enquanto está no "armário", utilizando-se de um contra-plano, mas Michal que aparece para tirar Kuba do sofrimento em que vive é sempre filmado em primeiríssimo plano, sempre de frente. Uma metáfora tão óbvia é desnecessária e só chama o público de burro. 
Um filme pretensioso, com um final abrupto e cobarde que não condiz em nada com a própria narrativa. Destaca-se a atuação de Mateusz Banasiuk que consegue passar o dilema vivido pelo personagem, assim como as cenas de sexo, todas, filmadas com um realismo que impressiona e que de tão boas parecem terem sido dirigidas por outro realizador. Mas no final da sessão fica a sensação se não seria melhor ter ficado em casa e visto um bom porno. 

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