Título original: La Vénus à la fourrure (2013)
Realização: Roman Polanski
Argumento: David Ives e Roman Polanski
Elenco: Emmanuelle Seigner e Mathieu Amalric
Se Roman Polanski sempre se destacou pelo cuidado e detalhe da direcção técnica dos seus filmes, nos últimos anos tem-se notado uma interessante utilização do espaço como mecanismo narrativo. Se em The Ghost Writer (2010), aquela casa era praticamente uma personagem, de traços direitos e com uma percepção de isolamento e claustrofobia, em Carnage (2011), o realizador vai mais longe e assumindo o lado teatral, enclausura os quatro protagonistas numa única sala. Em Vénus de Vison reaproxima-se deste lado teatral (é baseado na conhecida peça de David Ives, com quem assina o argumento) e resume a narrativa a uma sala de teatro. Se não é só por essa sensação de confinamento forçado - o primeiro plano apresenta um travelling em fuga de uma tempestade monumental - o filme acaba por encerrar neste teatro e neste palco um mundo de ambiguidades e simbolismos. É aqui, sob o olhar atento e cuidado da câmara de Polanski, que este maneja eximiamente, que entramos num magnífico e inteligentíssimo jogo de espelhos. A começar pela escolha de Emmanuelle Seigner como protagonista, a sua mulher na vida real, numa história repleta de teor sexual e controverso, que aliás permeia grande parte da vida pessoal do realizador. Mas é aí que esta brincadeira e jogo de reflexos começa e que desde logo revela o inteligente cineasta que é. Porque estamos perante um brilhante exercício de metalinguagem, numa encenação de uma encenação de uma encenação, uma actriz (Emmanuelle Seigner) a fazer de actriz, num duplo papel (ou triplo, se assim o quisermos) e um director (a personagem de Mathieu Amalric) a ser dirigido por outro (Polanski), enquanto assume também um papel de autor e actor. Na história temos um director que é afinal dirigido pela sua actriz (é também Polanski um realizador que dirige ou se deixa dirigir por estes actores?), que acaba por transita entre a ficção (quando trabalha como actor) e realidade (quando trabalha como encenador) em dois planos, sendo que Vénus de Vison assenta por isso numa espécie de matrioshka narrativa.
Por mais confuso que possa parecer, o jogo que Polanski permite e que os seus actores tão bem conduzem, assume uma estrutura orgânica na forma como se divide entre intenções e dispositivos (o livro de Sacher-Masoch, a peça de teatro e a realidade). Um filme em constante mutação, com os actores em interpretações camaleónicas, especialmente Emmanuelle Seigner que tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira, simultaneamente ingénua, voluptuosa, sexy e manipuladora. Todos trabalham harmoniosamente (realização, argumento, actores, direcção artística e banda sonora, especialmente) para que o filme assuma esta dimensão satírica e negra tanto na tela como fora dela. Um jogo de um realizador que tem muito a dizer e que não tem medo de se assumir como é, mantendo o seu registo obsessivo e cuidado, que faz dele um dos mais magníficos realizadores contemporâneos. Pena que o filme não mantenha este jogo pelo tempo todo, deixando-se enfraquecer por um final moralista e forçado, que quase deita por terra todo o trabalho do realizador e dos seus actores, em manter este registo ambíguo e moralmente sinuoso. Mas ainda assim, perverso e sedutor, Vénus de Vison é claramente um dos melhores filmes que chegaram este ano à sala que, mesmo não sendo original, sabe rentabilizar os seus recursos e talentos, demarcando o lugar de Polanski entre os melhores.
Se Roman Polanski sempre se destacou pelo cuidado e detalhe da direcção técnica dos seus filmes, nos últimos anos tem-se notado uma interessante utilização do espaço como mecanismo narrativo. Se em The Ghost Writer (2010), aquela casa era praticamente uma personagem, de traços direitos e com uma percepção de isolamento e claustrofobia, em Carnage (2011), o realizador vai mais longe e assumindo o lado teatral, enclausura os quatro protagonistas numa única sala. Em Vénus de Vison reaproxima-se deste lado teatral (é baseado na conhecida peça de David Ives, com quem assina o argumento) e resume a narrativa a uma sala de teatro. Se não é só por essa sensação de confinamento forçado - o primeiro plano apresenta um travelling em fuga de uma tempestade monumental - o filme acaba por encerrar neste teatro e neste palco um mundo de ambiguidades e simbolismos. É aqui, sob o olhar atento e cuidado da câmara de Polanski, que este maneja eximiamente, que entramos num magnífico e inteligentíssimo jogo de espelhos. A começar pela escolha de Emmanuelle Seigner como protagonista, a sua mulher na vida real, numa história repleta de teor sexual e controverso, que aliás permeia grande parte da vida pessoal do realizador. Mas é aí que esta brincadeira e jogo de reflexos começa e que desde logo revela o inteligente cineasta que é. Porque estamos perante um brilhante exercício de metalinguagem, numa encenação de uma encenação de uma encenação, uma actriz (Emmanuelle Seigner) a fazer de actriz, num duplo papel (ou triplo, se assim o quisermos) e um director (a personagem de Mathieu Amalric) a ser dirigido por outro (Polanski), enquanto assume também um papel de autor e actor. Na história temos um director que é afinal dirigido pela sua actriz (é também Polanski um realizador que dirige ou se deixa dirigir por estes actores?), que acaba por transita entre a ficção (quando trabalha como actor) e realidade (quando trabalha como encenador) em dois planos, sendo que Vénus de Vison assenta por isso numa espécie de matrioshka narrativa.
Por mais confuso que possa parecer, o jogo que Polanski permite e que os seus actores tão bem conduzem, assume uma estrutura orgânica na forma como se divide entre intenções e dispositivos (o livro de Sacher-Masoch, a peça de teatro e a realidade). Um filme em constante mutação, com os actores em interpretações camaleónicas, especialmente Emmanuelle Seigner que tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira, simultaneamente ingénua, voluptuosa, sexy e manipuladora. Todos trabalham harmoniosamente (realização, argumento, actores, direcção artística e banda sonora, especialmente) para que o filme assuma esta dimensão satírica e negra tanto na tela como fora dela. Um jogo de um realizador que tem muito a dizer e que não tem medo de se assumir como é, mantendo o seu registo obsessivo e cuidado, que faz dele um dos mais magníficos realizadores contemporâneos. Pena que o filme não mantenha este jogo pelo tempo todo, deixando-se enfraquecer por um final moralista e forçado, que quase deita por terra todo o trabalho do realizador e dos seus actores, em manter este registo ambíguo e moralmente sinuoso. Mas ainda assim, perverso e sedutor, Vénus de Vison é claramente um dos melhores filmes que chegaram este ano à sala que, mesmo não sendo original, sabe rentabilizar os seus recursos e talentos, demarcando o lugar de Polanski entre os melhores.
Classificação:
Sem comentários:
Enviar um comentário