Alexander Payne conseguiu, de forma discreta, surpreender o espectador com um filme que, além de um dos melhores da sua carreira, é também aquele que reúne grande parte dos elementos que o caracterizaram ao longo da sua filmografia. Está lá tudo, o desconforto dramático-cómico, a América rural, a comicidade inadvertida e o sentimentalismo melodramático, com uma narrativa que recorda em muitos aspectos, About Schmidt (2002). E esta aparente ligeireza no seu cinema - que transmite na verdade um poderoso e desconcertante sentimento melancólico - é possível muito graças à fotografia a preto e branco, que integra o filme, não como um artifício decorativo, mas sim como um propósito narrativo, mas também à estrondosa colaboração do seu elenco. E não vale a pena falarmos neste poderoso regresso de Bruce Dern num perfeito encaixe entre personagem e actor envelhecido, neste Will Forte dramático como nunca o tínhamos visto ou até nesta improvável e tão deliciosa personagem de June Squibb. Não vale a pena, porque o seu talento é inegável. Mas também porque este retrato de uma América adormecida, de um homem iludido, num misto entre resiliência e coragem, está também estampada nos rostos da grande maioria dos não-actores que pela tela se dão a conhecer. Aqueles rostos, aquelas opiniões, aquelas atitudes, são reais. Daí que Nebraska não seja uma criação narrativa. É um espelho sentido e trágico-comovente de uma realidade. ½ Tiago Ramos
Alexander Payne tem mantido um capital de apreço dentro da indústria do cinema e em boa parte do mundo cinéfilo que os seus filmes depois de Election não têm merecido. Os Oscares que ganhou chegaram-lhe no momento em que os seus filmes se mostravam cada vez mais desinteressantes - e, curiosamente, menos bem escritos. Com Nebraska, também por ter servido para o realizador se opôr à indústria, temos finalmente um filme de Payne a confirmar o potencial de há quinze anos atrás. Estamos perante o filme que Payne quis fazer com About Schmidt e conseguiu apenas até certo ponto, um tratado da velhice num meio que costuma escondê-la desde logo deixando de oferecer trabalho aos actores que ultrapassam uma certa barreira etária. Uma velhice que encontra triste sintonia com o desoladmaneto do espaço (e espaço social) em redor, num filme escrito com tanta consciência quanto sensibilidade. Ainda assim, o filme continua a ter uma certa dose de humor menos apropriado ao ambiente do filme, algo que em 1999 era fonte de irreverência e agora é consequência de alguma imaturidade. Nada que deixe marcas significativas numa história tratada com a fotografia irrepreensível de Phedon Papamichael e a realização sentida e controlada de Alexander Payne. Logo este filme é que não levou nenhum Oscar "para casa", talvez porque não dá às pessoas "reais" uma dose de glamour do " cinema alternativo". Carlos Antunes
Ciclo Interrompido (2012), de Felix Van Groeningen
O trato sensível da câmara de Felix Van Groeningen para com os seus actores é um dos factores que chama a atenção para Ciclo Interrompido, a par da utilização do Bluegrass como tema de importância capital numa história de amor belga. A simpatia que essas duas características merecem não compensa o número de falhas que o filme vai revelando desde cedo. A montagem que descontrói a noção de linha narrativa leva a que a história não consiga estabelecer um momento de ruptura entre construção e destruição da história do casal e que vá, pelo contrário, partindo em demasia a ligação desses momentos à história do terceiro elemento do filme: a filha do casal que sofre de cancro. Mas é a sofreguidão de querer integrar todas as ideias que ocorreram aos argumentistas, e que vai acrescentando elementos supérfulos (a questão religiosa) à essência do drama pessoal, que causa uma estranheza da qual o filme não recupera. Carlos Antunes
Nas nomeações ao Óscar 2014 de Melhor Filme Estrangeiro, o candidato belga acabou por ser ofuscado pela popularidade de La grande bellezza e The Hunt. Contudo, Ciclo Interrompido é uma daquelas discretas, mas valiosas, pérolas que chegam ao mercado de distribuição cinematográfico. Uma mistura entre melodrama, tragédia, romance e musical, o filme tem muito para se tornar um fenómeno de culto (aliás, já o é um pouco por todo o lado). Muito pelas interpretações da sua dupla protagonista, mas também pelo regresso corajoso ao melodrama e pelo recurso à música (interpretada pelos actores, como parte crucial de muitas das cenas) - esta última que se ouve tão bem dentro como fora do filme. Só se limita, por vezes, na narrativa fragmentada que manipula emocionalmente, mas o produto final é tão consistente e cativante que acaba por diminuir a importância dessa falha. ½ Tiago Ramos
Um Quente Agosto (2013), de John Wells
Um filme repleto de "estrelas" é (quase) sempre problemático. Isto porque na maioria das vezes se ofuscam entre si ou o espectador passa demasiado tempo a reconhecer os actores por detrás das personagens, em vez de se deixar levar pela narrativa. O mesmo se passa com Um Quente Agosto, com muitos dos actores a terem um papel que ficava melhor entregue a um actor mais desconhecido ou menos reconhecível, não por uma questão de qualidade interpretativa, mas sim pela sua menor relevância e pela sua interferência com a interiorização da história. Ainda assim, há que reconhecer a força e extraordinários desempenhos de Meryl Streep e Julia Roberts, assim como as secundárias Margo Martindale e Julianne Nicholson. O pior é mesmo a realização de John Wells que não soube trazer à história a força visual que ela necessitava (e que só não cai em grande, por força do seu elenco que carrega o filme). Ainda assim, há que notar o tom trágico-cómico, repleto de humor negro, mas também de um melodrama frequentemente inteligente - se bem que talvez seja mais pela força da sua versão teatral, do que por mérito próprio da versão longa-metragem. Tiago Ramos
Um núcleo forte em torno de duas personagens em confronto - e em descoberta de indesejada aproximação - que é, também, o de mentalidades geracionais perante o próprio território americano profundo. As duas actrizes que sustentam esse núcleo merecem destaque e as respectivas nomeações aos Óscares, mas o restante (excelente) elenco parece ter sido escolhido com demasiada ambição para aquilo que o argumento lhes pode proporcionar. À volta de Meryl Streep e Julia Roberts, as personagens tornam-se simplistas e o dramatismo das suas histórias é inculcado à força pelos arquétipos melodramáticos - adultério, pedofilia, incesto - para uma caracterização súbita que John Wells e, sobretudo, Tracy Letts não souberam demonstrar de forma mais progressiva ou subtil. Carlos Antunes
Pompeia (2013), de Paul W.S. Anderson
Quando esta história surgia nos pepla sabíamos com o que contar, a aventura era implausível naquela forma bigger than life que assegurava que o casal sobrevivia contra todas as probabilidades. Agora a história parece ter de submeter-se a um realismo que condena tudo à destruição logo à partida - e por tudo falo tanto dos cenários (que nem existem) como do próprio filme. Com a destruição total em fundo, o argumento gasta o tempo em inúteis investimento dramáticos com personagens pelas quais não nos vamos interessar. Com uma história (mal) decalcada de Gladiador - e evita-se falar no que esse filme já citava - temos de suportar que a narrativa leve o seu tempo a resolver conflitos quando já há lava a tombar sobre as personagens. Essas cenas de destruição chegam tardiamente e intercalam o bom com o tosco. Tudo combinado, está-se demasiado perto do ridículo. E, para piorar, é em 3D. Carlos Antunes
O Filme Lego (2014), de Phil Lord e Christopher Miller
Há que assumir que o filme é bem melhor do que o material promocional deixava antever. Ainda assim e apesar do seu tom frequentemente divertido e até bastante inteligente, não deixa de ser, narrativamente falando, bastante linear e até algo básico - apesar dos pontuais momentos de humor adulto e de referências cinematográficas e literárias. Redime-se (e muito bem) pela inteligência como conduz a animação - um híbrido entre digital, stop-motion fotorreal - mas também pelo o último terço do filme que, apesar de soar muitas vezes a anúncio publicitário à empresa que dá nome ao filme, lhe dá um forte valor sentimental, emocional e adulto (como talvez já não se via desde Toy Story 3). ½ Tiago Ramos
Já devia ser evidente para a maioria das distribuídoras que os filmes de animação (pelo menos os de algum pedigree) devem ser estreados em versão original e dobrada ao mesmo tempo para que satisfaçam os cinéfilos de todas as idades. Pode ser que este seja o filme a tornar isso evidente, pois está carregado de referências que escapam por completo aos mais novos. O argumento é bastante divertido para os adultos enquanto que os espectadores de palmo e meio estranham a narrativa saltitante que aproxima a história do que é a experiência de não ter regras ao "brincar bem" mas não é a mais fácil de seguir para eles. Naquilo em que todos podem concordar é que as soluções de stop-motion com as peças Lego dão origem a um dos visualmente mais distintos e criativos filmes de animação em bastante tempo. ½ Carlos Antunes
Solteira e Fabulosa (2014)
Mais uma comédia, o género que tem constituído a maioria dos filmes que estreiam na Sala de Cinema Francês e cuja slecção parece advir de um acaso que de vez em quando lá no traz um bom filme. Desta vez não temos tal sorte, apenas uma comédia romântica previsível e, ao mesmo tempo, um pouco caótica. Uma ou outra ideia mais interessante não chegam para resgatar a sensação de estarmos a ver uma Bridget Jones que atravessou o Canal da Mancha. O problema é que Josephine ainda consegue ser uma personagem menos aprazível do que a sua contraparte britânica, sobretudo porque as personagens secundárias que deveriam complementar o quotidiano dela nunca têm espaço de manobra. E isto nem é uma referência aos excessivos implantes glúteos que Marilou Berry utiliza e que parece terem que ver com a banda desenhada de onde isto foi adaptado - e que nós não conhecemos por cá! Carlos Antunes
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