Por Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema.
Desde o anúncio da produção de uma série centrada no dia-a-dia da vida de um grupo de amigos gays em São Francisco, Looking tem vindo a ser erroneamente chamada de versão gay de Girls. Tal análise simplista baseia-se somente no fato de que as duas séries têm como proposta a pretensão de uma abordagem mais crua e, por consequência, sem qualquer glamour na retratação da vida de um grupo de jovens. É a geração que demora mais para crescer e sofre da famosa crise do quarto de vida. E é isso. A convergência acaba aqui. O que faz de Girls uma serie única e não uma releitura de Sex and The City, por exemplo, ainda que a série de Lena Dunham deva muito a ela, é justamente o fato de Girls ter tirado a “Cidade” da equação. Os conflitos de Jessa (Jemima Kirke), Hannah (Lena Dunham), Soshanna (Zosia Mamet) e Marnie (Allison Williams) são todos internos às personagens e aparecem para o público refletidos na maneira como elas lidam, com pouco ou nenhum sucesso, com o mundo ao redor.
E talvez seja exatamente por isso que episódios como One Man’s trash da segunda temporada de Girls e o mais recente Beach House funcionem tão bem dentro do universo da série. O que Dunham fez aqui foi externalizar a dissociação das suas personagens com o ambiente que as rodeia. O que já acontece mesmo em Nova Iorque, quando sempre as vemos dentro dos seus respectivos microcosmos: os seus apartamentos. É significativo pensar que não há grandes cena externas na cidade, como na pioneira série de Carrie Bradshaw, personagem icónico de Sex and The City, interpretada por Sarah Jessica Parker.
Em Looking, a escolha de São Francisco é um fator determinante no desenvolvimento da trama de Andrew Haigh e Michael Lannan. A cidade volta a ter a mesma importância do sexo ao estar tão fortemente associada às questões da comunidade LGBT e suas lutas. Mas mais que reconhecer as diferenças em relação a Girls ou perceber a cidade como um personagem (o que não é por si só novo: Sex and City, Vicky Cristina Barcelona [Woody Allen, 2008] não nos deixariam mentir) para perceber o que funciona e o que não funciona em Looking, deve-se voltar a Weekend, longa-metragem de estreia de Haigh.
Weekend foi um retrato intimista e honesto da vida de dois homens gays em momentos completamente diferentes da vida e em posições opostas quanto ao entendimento da sua sexualidade, mas que por capricho do destino, acabam-se envolvendo amorosamente ao longo de um fim-de-semana, como o título explicita. Um drama simples que chamou a atenção, não por um grande orçamento ou questões técnicas, mas pela naturalidade e realismos impostos aos diálogos entre os protagonistas Glen (Chris New) e Russell (Tom Cullen), que explicitaram a nossa condição de voyeur ao nos transportar, sem desculpas, para a intimidade daqueles dois homens.
É notável o esforço de Haigh em usar Looking para estender o universo da homossexualidade masculina, já abordada em Weekend, mas aí se cria o calcanhar de Aquiles da série do canal HBO. A progressão do relacionamento de Glen e Russell era completamente orgânico e, ainda que dure apenas 90 minutos, como o filme usou do relacionamento para retratar questões maiores, o realizador e o seu argumento puderam satisfatoriamente desenvolver a sua proposta.
Mas Looking é uma série de televisão e, ainda que muito parecida com Weekend, não é uma versão televisiva do filme. Novas personagens, novos conflitos e novos elementos foram criados para que o cotidiano de Patrick (Jonathan Groff), Agustin (Frankie J. Alvarez) e Dom (Murray Bartlett) em São Francisco, se sustente sozinho e não deva nada ao filme de Haigh ou a outros programas de televisão, como Queer as Folk.
Mas, pelo menos para mim, a série falha nesta que é a sua maior ambição: ser um universo autossuficiente. Espanta-me que a semelhança de planos em alguns episódios com Weekend, como as imagens abaixo sugerem, não tenha sido mais explorada pela mídia em geral.
Weekend, 2011 |
Looking, 2014 |
Mas a culpa não é de todo de Haigh, Lannan e a equipa de argumentistas. Como encaixar tanto de uma trama dramática na estrutura de episódios de 30 minutos de duração (já consagrados pelas comédias)? As tramas em Looking nunca conseguem ser plena e naturalmente desenvolvidas pela falta de tempo e acabam sempre por soar como um recorte superficial de algo que já foi, com mais profundidade, abordado em outro lugar, neste caso, sempre usando Weekend como referência.
Com Looking renovada para uma segunda temporada e a noticia de que atores do elenco de apoio como Russel Tovey e o óptimo Raúl Castillo foram promovidos ao elenco regular da série, sente-se a intenção de mudar o andamento de algumas tramas que não funcionaram bem, como Agustín e seu projecto artístico sobre a relação entre o sexo e a arte (outro tema abordado em Weekend: Glen tinha o mesmo projeto artístico) para focarmos mais nas conturbadas relações interpessoais e amorosas entre Patrick (Groff) seu namorado Richie (Castillo) e seu chefe Kevin (Tovey).
O que se espera de Looking é paciência para que a série encontre o seu ritmo e identidade. O que se deseja da série são mais episódios como “Looking for Future” (S01E05), no qual a série parou com as suas tramas "corridas" e mal desenvolvidas para nos presentear com um dia no relacionamento de Patrick e Richie e, ainda assim, todo o relacionamento dos dois num único dia.
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