quinta-feira, 3 de abril de 2014

Páginas vs. Fotogramas: Divergente


Divergente sofre de um problema de base. Literalmente, um problema de base, já que a história que nos é fornecida sobre a formação da sociedade e das suas facções é incoerente. O que é uma pena porque, ultrapassada a má base e os problemas de fluidez de escrita, a história em si até nem é má.

Comecemos pelo princípio. Ou seja, pelo livro em si. Divergente surpreendeu tudo e todos ao conquistar em 2012 o título de livro do ano no site Goodreads, embora este facto tivesse ocorrido antes de se dividirem os livros young adult (YA) dos restantes.

Li Divergente na sua versão original, uma vez que no início de 2013 o livro ainda não tinha sido publicado por terras lusas (entretanto a Porto Editora editou-o, bem como aos dois livros seguintes da trilogia, Insurgente e Convergente). E, tendo este livro sido um sucesso um pouco pelo facto de vir na sequência d'Os Jogos da Fome, também esta uma distopia YA, é impossível não comparar ambos os trabalhos, por muito injusto que isso possa parecer.

Enquanto que em Os Jogos da Fome a autora não se alonga particularmente sobre a história daquele mundo distópico, Divergente vai exactamente por esse caminho. Contudo, o problema está exactamente aí: aquilo que poderia ser entendido como se quisesse - a divisão de uma sociedade em facções incubidas de determinado comportamento e função na sociedade - é rapidamente posto em causa pela ausência de lógica da explicação fornecida. E, ao assistir ao filme, essa ausência de lógica tornou-se ainda mais notória quando é apressada nuns meros 2 ou 3 minutos de fita.

Por outro lado, temos também o facto desta trilogia ser o primeiro trabalho da autora. Isso nota-se, até demais. Não só na qualidade da escrita em si, como na tentativa forçada de contrariar aquilo que é esperado num livro (a protecção de certas personagens, por exemplo). A tentativa de fugir à típica narrativa é tão pronunciada que se torna expectável a direcção que vai tomar.

Contudo, e assinalados os pontos negativos desta história, há que assinalar os positivos. O primeiro é que, dado o facto de ter uma premissa de base tão má, era expectável que tudo o que vinha depois seria igualmente mau. Não é, na verdade consegue ter uma história relativamente interessante, que foi bem transladada para filme. O desenvolvimento da personagem principal, Tris (Shailene Woodley) dentro da facção por ela escolhida consegue ser o ponto mais interessante das cerca de duas horas de filme. Por outro lado, depois de tantos filmes YA com protagonistas masculinos questionáveis, encontro finalmente em Four (Theo James) um actor competente no papel que lhe foi atribuído.

Na adaptação foram perdidos alguns momentos-chave, talvez pela violência dos mesmos e o facto do filme ter sido gravado com o objectivo de obter uma classificação PG-13. Contudo, a natureza relativamente violenta da história era uma das coisas que dava interesse ao livro (lá está, a eterna procura por parte da autora em quebrar os estereótipos). Divergente tornou-se mais um filme de adolescentes quando podia ter arriscado, mas compreende-se que a faixa etária tenha de ser tida em conta.

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