Título original: Alentejo, Alentejo (2014)
Realização: Sérgio Tréfaut
Este documentário era um filme naturalmente feito. Não que isso queria dizer que pudesse passar sem um olhar cinematográfico, mas esse teria de ser um olhar de montador mais do que realizador. Um olhar que organizasse a realidade num discurso sequencial mas sem intervir nela.
A partir da primeira cena fica claro que o filme é a captação da abstracção ao mundo em volta que o Cante alentejano causa naqueles que o interpretam: a câmara circula entre os homens numa taberna e uns olham-na outros encenam-se contadores perante ela, até que começam a cantar e a câmara fica entre homens que não reconhecem mais nada senão o som da sua música.
Os momentos em torno desta ideia acumulam-se, mostrando que Sérgio Tréfaut foi ao encontro da linha condutora que o público desvendou de imediato.
Um anunciante do concerto de Tony Carreira consegue sobrepor a sua voz à vontade daqueles homens em mostrarem a sua arte, sinal que o mundo moderno (e ignorante) é o único que os consegue perturbar na sua impreparação para os acolher.
Uma geração de adolescentes que, à primeira vista, não terão relação com o estilo do Cante falam de como este lhes sai melhor quando sentem a Letra verdadeiramente ou como a sua forma de cantar é fechando os olhos e deixando a música dominá-los.
E a fechar o filme, à mesa da refeição, o Cante soa e impõe-se a tudo o resto, até à comida - tema tão importante no Alentejo - e bebida que alguns solicitam interrompendo aquela manifestação.
Com o filme "feito" é difícil aceitar que Tréfaut tenha encenado o Cante em cenários vazios e contra fundos negros, retirando-o da realidade viva em que a sua intensidade melhor se mostrava.
Se esta decisão não prejudica o filme - afinal a emoção da música continua lá - também não o beneficia.
Já aquilo que coloca em causa a visão global do realizador para o documentário é a inclusão de um momento passado numa sala de aulas, sem qualquer relação com o Cante.
Uma cena em que a professora primária induz os seus alunos a falarem da sua família emigrada e das razões para tal - a "Crise", numa única palavra.
Manipulação tanto por parte da professora como do realizador, que assim se dedica mais uma vez à militância social (e política, por acréscimo inevitável) que tanto prejudica filmes como Lisboetas ou Viagem a Portugal.
A queda do filme nesse activismo dissidente do que é o restante do filme é estarrecedora - porque a cena forçada é mau cinema sem qualquer tipo de mensagem redentora - e, sobretudo, desnecessária.
Das entrevistas com algumas pessoas capazes de narrarem a história comum do Cante capta-se a noção de que a essência do Alentejo é uma de sofrimento, algo que se atenuou pelas reivindicações sociais mas que ainda não foi erradicado por completo.
Afinal de contas, o próprio Cante se adaptou às novas condições nacionais, combatendo a Austeridade nas suas letras. Como demonstração dos problemas maiores que ainda assolam a região não havia necessidade de mais nada, muito menos de cenas "falsas".
A única coisa que Tréfaut consegue com essa escolha é levantar a dúvida sobre os efeitos do seu trabalho no público. O filme esteve durante muitos dias no primeiro lugar da votação do público do IndieLisboa mas terá sido porque o seu engajamento se mostrou numa altura em que precisa de ser reavivado ou porque a sua visão do Cante, apesar de tudo o resto, emocionou as pessoas como ele relata do seu caso particular.
Para perscrutar a essência do Alentejo teria sido mais útil equiparar a Gastronomia com o Cante já que o espaço da cozinha serve de cenário a todas as entrevistas. Infelizmente o acto de preparar refeições está limitado ao efeito de introdução dessas conversas, equívoco adicional de Sérgio Tréfaut sobre os elementos que deveriam destacar-se neste Alentejo, Alentejo.
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