quinta-feira, 16 de abril de 2015

Outro País, por Carlos Antunes


Título original: Outro País: Memórias, Sonhos, Ilusões... Portugal 1974/1975
Realização: Sérgio Tréfaut
Argumento: Sérgio Tréfaut
Distribuidora: Alambique

O encontro com Outro País, tão pouco tempo depois de Alentejo, Alentejo, reforça algumas ideias sobre aquela que é a identidade de Sérgio Tréfaut enquanto cineasta e de como esta se mantem imutável desde o seu primeiro trabalho.
Instinto para encontrar os elementos mais interessantes dentro dos temas dos seus documentários mas falta de ponderação - por cedência à emoção, na maioria das vezes - na definição de uma linha contínua para eles.
Neste caso encontra material filmado por estrangeiros e ainda desconhecido em Portugal - a excepção é Torre Bela, muito embora se possa perguntar o quanto esse filme tinha, de facto, sido visto por cá - sobre o 25 de Abril de 1974 e os tempos que se seguiram à revolução.
Tréfaut persegue as memórias dos autores desses registos para ouvir a ideia do nosso país com que chegavam e com que partiam.
Dessas memórias obtem-se a consciência de que a revolução local atraiu as pessoas pelo seu exotismo em ambiente controlado e "à porta de casa"; e de que o país foi uma fonte de muitas surpresas sobretudo pelo que ainda não era aquele país do continente europeu.
Muitos acabaram por fazer jornalismo e documentarismo comprometido com a ideologia. Alguns já a traziam consigo, outros encontraram-na na alegria local.
O mais significativo disto é que os autores estavam a intervir conscientemente no que acontecia à frente da cãmara. Por convicção mas, na mesma medida, para garantirem que havia material de interesse.
Tréfaut esteve perto de conseguir a mesma revelação que José Filipe Costa conseguiu com Linha Vermelha, capaz de desmontar a construção da imagem desse Portugal da Revolução e do PREC. E fazê-lo pela voz dos próprios cineastas.
Nem todos os entrevistados poderiam ser como Robert Kramer, um utópico cuja arma era a câmara e que por isso era o único com a devida consciência do que por cá acontecia e a que nível da História nos colocávamos - nas suas palavras, a Guerra Civil Espanhola.
Por isso a solução do realizador é a de filmar um reencontro nostálgico de alguns cineastas com o tema da sua reportagem.
O momento em que a emoção toma o lugar da confrontação com o material, mesmo quando a maioria entre eles confessa que a Revolução só lhes interessou no momento em que deixava possibilidades em aberto e se mostrava como espectáculo do povo nas ruas.
Tréfaut deveria ter obtido mais dos depoimentos, ter confrontado os realizadores com as discrepâncias entre as suas imagens e a realidade. Ou com a realidade que se moldava à câmara em vez do contrário.
A montagem dos excertos alheios (o melhor que o filme tem para mostrar) sugere essa vontade de encontrar o "outro país", aquele que foi feito de fora para dentro, traçado pelos cineastas na consciência dos países em redor cujas populações depois vinham ver por si mesmas.
Numa espécie de turismo sócio-político que Portugal se prestava a reproduzir, tal como se prestara anteriormente em frente às câmaras.
Tivesse Tréfaut perseguido o contraponto ao seu trabalho com as imagens alheias, procurando os registos locais que contrariavam esses outros que foram apenas para além fronteiras, e estaríamos perante um documento essencial sobre a memória (cinéfila) da data fundamental da História nacional do século XX.
Assim fica-se apenas com uma evidência abafada de que a urgência - vejam-se as entrevistas de Glauber Rocha pelas ruas - manipulava a criação de imagens. Mais importante do que ponderar a imagem era obtê-la antes que se instalasse o desinteresse.
Por isso se criou um "outro país" na visão alheia, um país que em grande parte continuar por conhecer. Para os Portugueses e para todos os estrangeiros. Porque se nós nunca chegámos a ver os filmes que eles fizeram, eles nunca cá regressaram depois da "festa" esmorecer.
Como confessa um realizador francês, não havia motivo para cá voltar como turista depois da utopia revolucionária morrer. Também hoje Portugal é "outro país" mas um outro muito igual aos demais.
Aqueles dois anos que mudaram o país constituíram um período em que Portugal foi uma terra de possibilidades e que se tornou irrepetível.
O que interessava realmente perguntar aos realizadores era se continuaram a perseguir utopias e ilusões por esse mundo fora depois de Portugal ter sido por uns tempos mais do que um "outro país", um "outro mundo" tão à mão de semear.

 

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