Título original: La reina de España
Realização: Fernando Trueba
Argumento: Fernando Trueba
Elenco: Penélope Cruz, Cary Elwes, Mandy Patinkin, Javier Cámara
Esta é a sequela d' A Menina dos Teus Olhos, o último filme de Fernando Trueba a estrear comercialmente entre nós, não contando com a obra-prima Chico y Rita que outro Cine Fiesta mostrou.
Não há que conhecer o filme com quase vinte anos para ir ver este, embora ajude a perceber que o realizador continua a fazer cinema sobre as referências passadas que lhe dão prazer.
Era uma abordagem ainda surpreendente no final dos anos 1990, sobretudo num filme sobre a própria indústria que corria o melodrama para falar de questões políticas.
Tal como foi ainda uma abordagem refrescante no filme que realizou com Tono Errando e Javier Mariscal em que a animação lhe trazia possibilidades extraordinárias devidamente aproveitadas.
A Rainha de Espanha volta a tentar equilibrar o estado de um cinema tendencialmente patético com a questão social que faz duvidar da pertinência de tal indústria. Trata-se do mesmo filme que Trueba já havia feito mas desprovido de real tensão dramática.
Mesmo para aqueles que descobrem Macarena Granada (Penélope Cruz) pela primeira vez, o filme mostrar-se-á oco, precisamente no lugar onde deveria ter toda a sua intensidade.
Há uma magnífica recriação de elementos de época dentro do cenário de uma mega-produção sob o jugo Franquista. De tal maneira realista, sublinha a artificialidade de diversas componentes da imagem de grandiosidade que o cinema tentava passar na tela.
Dentro desse cenário passa-se a trama maior, a da filmagem de um épico sobre Isabel I com produção americana e dinheiro do General Franco que é o ponto de encontro dos que conspiram para se opôr ao ditador e salvar Blas Fontiveros, o realizador de La Niña de tus ojos entretanto caído em desgraça pelas suas convicções.
A par dessas muitas outras tramas menores decorrem, cada uma traçando um retrato da colorida vida de Hollywood ou da cinzenta realidade espanhola que ela veio afectar.
Um argumentista comunista proscrito que faz Macarena ver que o seu Método pouco importa perante um argumento que era sobre Colombo antes do dinheiro de Franco o transformar naquela farsa nacionalista.
A estrela máscula de Hollywood seduz abertamente um actor espanhol que para chorar tem de apertar um testículo
Tudo isto sob a supervisão de um realizador muito experiente mas no ocaso da sua vida, que não resiste a dormir na cadeira - uma caricatura de John Ford levada até à pala e que este não merece.
São retratos de uma forma de fazer cinema que já não existe e que apesar das suas muitas incoerências levava à criação de algumas obras-primas, além de muitas outras películas que ainda merecem a mística que lhes aplicamos hoje em dia.
Só que a presença americana não chega a causar confronto com Espanha, ela própria, pois aquela gente do cinema não chega a sair à rua.
Toda a despesa fica a cargo da trupe espanhola que se lança ao salvamento do antigo colega de filmagens preso num campo de trabalhos forçados onde os captores o tentam matar - por motivos que o filme mal explora e que não importam à trama.
Trama, o que o filme menos tem, solavacando por situações que se contentam em terminar no gag sem perseguirem a importância que deveriam ter numa visão mais lata da história daqueles personagens.
Fossem as piadas - mesmo as poucas que resultam - dirigidas a uma condenação da permissividade política da época e, mesmo que relutante, haveria brandura para as lentas duas horas do filme.
Quando Franco finalmente aparece não tem capacidade de se mostrar como o vilão capaz de ensombrar a vida de um país inteiro.
A alternativa passava pela vingança pelo ridículo. Estranhamente, Trueba não arrisca caricaturá-lo como fizera a Joseph Goebbels n' A Menina dos Teus Olhos.
O que antes era a mistura de amor ao Cinema e o sentido crítico dos termos em que este era feito é agora matéria de humor fácil a que o realizador parece obrigado a regressar.
O filme carece de gravitas, mesmo que expressa por um humor confrontacional. O sinal mais claro disso vem de uma piada envolvendo sodomia.
Trata-se de uma violação, explícita ainda que invisível no ecrã, à qual o público deve ser relativamente indiferente pois passa-se com um homem latino, sinónimo de um pouco homofóbico - apesar de trabalhar com dois homossexuais casados por conveniência.
Passar a noção de que a sexualidade era uma moeda de troca como qualquer outra perante a perspectiva de uma carreira em Hollywood não é um problema. Que tal aconteça sem consentimento do interessado e muito menos com uma concreta recompensa dele (embora tal não viesse amenizar essa realidade) é que se mostra como sinal de que o espírito desta sequela se limita ao humor de grande público e não ao da relevância do discurso sobre o amor ao cinema com um olhar crítico trazido pela distância temporal.
Apesar de falar da década de 1950, este é um filme sem sentido de urgência. Irrelevante na demonstração histórica dos muitos problemas de fazer cinema entre Hollywood e a Europa naquela época.
O seu sucesso só poderá vir da sua estrela, uma Penélope Cruz que parece imbuída do espírito da star que representa. Incapaz de envelhecer mas capaz de actuar de forma brilhante mesmo no seio do absurdismo.
Mesmo que o filme não tenha conseguido justificar o título de "rainha de Espanha" no momento em que se encerra com o iris shot do rosto de Macarena que é já Penélope aos nossos olhos.
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