quarta-feira, 18 de abril de 2018

Entrevista com Fernando Vendrell, realizador de "Aparição"

Na semana em que o filme Aparição se prepara para sair de sala e em que alcançou os 3500 espectadores, falámos brevemente com Fernando Vendrell.

Procurámos saber um pouco sobre a produção do filme e a medida do seu sucesso face às expectativas.

Falámos do que, de parte a parte, vimos como as forças e as fraquezas do filme e como estas têm sido tidas em conta pelo meio cinematográfico nacional.

Uma entrevista que fica como gancho apontado àqueles que cheguem a esta adaptação quando chegar a segunda vida que o filme terá para lá do grande ecrã.





Aparição é um livro com que quase todos os portugueses têm uma relação, nem que seja por obrigação. Disse que teve de voltar ao livro antes do seu filme. Como vê agora a relação que o país precisa de ter com a obra?

Aparição faz parte do “inconsciente coletivo” da cidade de Évora, existe até uma relação complexa de aceitação e rejeição desta obra. A perspetiva que quase todas as pessoas que contactávamos durante a produção tinham uma visão própria do romance tornou-se uma das “complexidades” suplementares à sua adaptação. Trata-se de uma das obras mais conhecidas de Vergílio Ferreira, como realizador do filme tenho consciência que este não poderá nunca superar a imagem emocional que os leitores têm desta obra, mas pode relembrar o momento ou efeito da leitura do livro, trazer novas inquietações e até outras perspetivas sobre Aparição. Num mundo dominado pela superficialidade e pela exposição contínua da aparência é pertinente questionarmos o que somos e o que significa a nossa vida.





Aparição surge 40 anos depois de Manhã Submersa (de Lauro António). Vergílio Ferreira parece ser um dos nossos escritores mais difíceis de adaptar ao cinema. Ao longo do seu trabalho percebeu o porquê de assim ser?

A maioria dos romances adaptados em cinema são de narrativas de conteúdo psicológico e moral (drama ou comédia), esta é a expectativa natural do público e até da crítica de cinema, mas esta obra é mais densa com aspetos filosóficos, tratando um tema até perturbador para o indivíduo.  O escritor procurou, através do pensamento dos seus personagens e suas ações questionar a existência humana, o que significa a vida ou a morte e as turbulências do amor e da paixão. A ideia de apresentar este tema formalmente através de um filme interessou-me, havia um certo número de contingências que eram muito complexas: não depender da voz off, construir uma estrutura dramática, conseguir que os personagens interpretados pelos atores fossem credíveis e criar um sentido narrativo global que sustentasse a obra. E por fim, procurar ser o mais fiel possível à obra original. 



Não é um risco demasiado grande adaptar um livro conhecido pelo seu existencialismo? Ficou plenamente satisfeito com a união das reflexões textuais com a componente narrativa?

Estou muito satisfeito, acho que o filme é forte e poético, e contém uma simplicidade aparente. Julgo que a partir da obra do Vergílio Ferreira consegui contar algo mais profundo e íntimo. Penso que há uma perspetiva de materialização do sonho que comove o espectador, partilho também essa surpresa quando revejo o filme.



Falemos dos dois personagens centrais. Quis conscientemente fazer deles versões nacionais da iconografia do cinema? O ingénuo encapotado e a femme fatale que quando primeiro se aproximam estão a interpretar os papéis inversos?

Alberto Soares, o professor é um jovem idealista e algo pretensioso, a sua rigidez aparente mascara a sua cobardia, é muito bem retratada pelo ator Jaime Freitas, na obra ele é uma projeção do autor, evocando a sua estadia em Évora de mais de 15 anos. Não é a figura tipo do “jovem romântico” que se apaixona pela “menina mimada“ filha do Dr. Moura que o acolhe. Sofia, Victoria Guerra, é uma jovem mulher irreverente e algo destrutiva, desprezando os costumes e confrontando-se com o atavismo de uma cidade de província. As suas reações são imprevisíveis em todas as cenas que aparece, em diversos momentos quase sentimos que é um personagem indomável perante um escritor em dificuldades. Entre os dois parece desenhar-se com contornos difusos, o desejo, a paixão e uma possibilidade amorosa. Mais do que os referenciar como “tipos cinematográficos” procurei escutar as suas interações, o movimento que estabelece uma espiral de transformação e precipita o violento final de Aparição.



Uma das grandes forças do filme é, sem dúvida, o seu ambiente. Foi fácil fazê-lo em Évora ou o que vemos é um trabalho de enorme inteligência da Produção?

A decisão de filmar integralmente o filme em Évora foi uma “opção fundadora” para a existência deste filme. Na escolha das localizações interessou-me a arquitectura particular da cidade, a sua clausura, com uma ideia de labirinto de vielas, corredores e portais. Também me interessou a forma exótica como a luz e a sombra desenha os espaços, construindo um espaço cénico abstracto mas concreto.  O trabalho da Direção de Fotografia e Cenografia coadjuvaram as opções da Realização e a Montagem acabou por depurar o universo plástico e visual do filme. A cidade está preservada – Classificação Património Mundial da UNESCO — o apoio da CM de Évora para retirar elementos da sinalética e graffitis e dos proprietários que nos abriram as sua portas foi essencial para a obtenção deste  resultado final.



Em sentido inverso, parece-me que houve algumas dificuldades de continuidade – em parte narrativa, em parte de anotação – no momento em que o filme corre para o desenlace.
Teve que ver com a duração final da longa-metragem ou houve um processo de revisão narrativa por via da edição?

Houve um processo de montagem e naturalmente houve cenas que foram retiradas, foi necessário estabelecer um equilíbrio entre a fluidez narrativa e o peso dramático das situações.  O filme reflete no seu final alguma “precipitação” dos acontecimentos tal como o romance original.  No livro a morte de Sofia é narrada de forma seca e breve em “flashback”, a opção desta dramatização fílmica foi para mim a mais coerente com a obra, correspondendo à forma como Vergílio Ferreira produziu o seu texto literário como uma evocação da sua experiência pessoal nesta cidade.



Melhor Filme Português no Fantasporto e pouca simpatia por parte da crítica. Vê isto como a dicotomia normal do cinema português dentro de portas?
E, já agora, como é que o filme tem estado a portar-se em sala face às expectativas que tinha para ele?

O filme está nos 3.500 espectadores, a perspetiva para o distribuidor era chegar aos 5.000 espectadores com 10 salas (estreámos em 7) acho que vamos cumprir o previsto, no entanto preferia que o filme atingisse mais de 10.000 espectadores.
O prémio foi o reconhecimento de um Júri perante o rigor estético e capacidade de comunicação do filme, os escritos da critica sobre este filme estão eivados da superficialidade do “gosto”, algo que nada diz sobre o meu trabalho cinematográfico ou sobre o texto de Aparição. Não me cabe criticar a crítica, mas reconheço que as análises efetuadas pelos críticos à minha obra cinematográfica têm sido algo dececionantes, existe mesmo um tom instituído que parece querer menorizar a pertinência do meu trabalho cinematográfico:
O meu filme “O Gotejar da Luz” que estreou no Festival de Berlim e com o qual obtive um prémio de realização, foi comentado por um ilustre critico nacional como “não tendo sequer qualidade para ser exibido nas salas portuguesas” e que “o seu tema não tem qualquer interesse para o espectador nacional”;  depois de ter visto o meu filme “Pele” outro critico dirigiu-se a mim com a seguinte frase “O que lhe deu para fazer este filme?”
Procuro não dar importância a este fenómeno de “incompreensão artística”, mas a preguiça intelectual, a cobardia e a falta de educação não me deixam totalmente indiferentes. 
Os meus filmes têm sido estudados em contexto universitário fora de Portugal (Brasil, USA, e UK, etc.).  Na sequência de apresentações de estudos sobre a minha obra de realizador nas universidades de Maddison-Wiscousin (EUA) e Warwick (UK) foi agendada a edição de um número especial da revista Portuguese Studies, uma das mais conceituadas revistas sobre Estudos Portugueses e Lusófonos, é a primeira vez que sairá um número sobre cinema.

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