terça-feira, 1 de maio de 2018

Baronesa, por Carlos Antunes



Título original: Baronesa
Realização: Juliana Antunes
Argumento: Juliana Antunes
Elenco: Leidiane Ferreira, Andreia Pereira de Souza, Felipe Rangel dos Santos, Gabriela Souza


Andreia quer mudar-se de (Vila) Mariquinha para Baronesa. Uma bela metáfora da dignificação da mulher que este filme aspira representar.
Uma história de mulheres pela mão de mulheres, que dá a sensação de que todas estão na descoberta do que podem fazer com o poder que têm.
Um poder que o cinema reforça, sobretudo no interior de uma favela, território de imposíção masculina.
Os homens estão todos ausentes. Sobretudo na prisão. O único homem que vemos interagir com elas está, também ele, preso. A pulseira electrónica permite-lhe estar de volta delas, tentar envolver-se, para acabar no mesmo caminho de violência e morte dos que estão fora das imagens.
As mulheres, pelo contrário, ridicularizam esse caminho. Tornam os disparos de metralhadora em passos de dança e brincam a uma espécie de roleta russa que não pode dar em morte mas que acaba em tiros sem bala.
O mais importante está longe de ser o retrato dessa mitologia da favela. Leidiane e Andreia vivem uma comunhão que partilha as forças Só em conjunto são capazes de aprofundar as emoções a transmitir numa carta de despedida.
As mulheres juntas não se inibem de aprofundar temas de profunda intimidade, ajudando a conhecer-se e, de novo, demonstrando o poder que falha aos homens.
Riem-se de como Leidiane se mostra embaraçada por saber que as outras mulheres se masturbam e analisam a mente dos homens presos que se mostram incapazes de fazer sexo como há tanto anseiam.
Tudo isto acontece à flor da câmara, tão próxima delas quanto é possível. Da favela quase só se vê tijolos. A parede nua como vai acontecendo à alma das mulheres - todas as mulheres do filme!
Nota-se que Leidiane - mais hesitante - e Andreia - capaz da conquista - vão caminhando do desconforto para a libertação à medida que as cenas progridem.
Percebe-se a intervenção da escrita - da ficcionalização, portanto, num filme que é híbrido sem querer que isso se torne mote de discussão - nos eventos que movem uma suficiência narrativa.
Como se percebe a espera até que essa escrita desemboque em naturalidade na voz daquelas duas mulheres, capazes de partilhar diálogos estarrecedores.
Como aquele que nasce do confronto com a desprotecção das crianças. A atitude das protagonistas e o cuidado que a realizadora lhes dedicou torna a confissão que se segue em algo transformador. Capaz de fazer do público solidário em vez de julgador.
Mais notável é a maneira como a realidade passa isto também à equipa que faz o filme. Um súbito tiroteio assusta a equipa de filmagem.
Esse processo intervém na feitura do filme e, por isso, permanece na montagem. Depois dele o filme só mostra a naturalidade sem voltar a recorrer à construção.
Um momento de comunhão do medo que fez algo mais pela forma como todas as mulheres intervenientes passaram a ver o destino do filme, mesmo se antes já existisse longo trabalho de partilha para que a realizadora tornasse aquelas mulheres nas suas actrizes.
O filme prepara o seu remate. Menos acontecimentos e apenas o decorrer da vida, sem estrutura nem tempo marcado.
Todo o filme evita correr para desenlaces mas após o tiroteio o sentido das cenas desabrocha à medida que estas acontecem.
O filme eleva-se à medida que fecha com Andreia a dar forma às paredes da sua nova casa. O trabalho de construção a acontecer exclusivamente pela mão dela.
Os tijolos erguidos pela metade no momento em que ela acende um cigarro e olha o horizonte. Um pouco de profundidade de campo pela primeira vez no filme.
Cá em baixo a resposta do olhar de Leidiane, subida a um telhado onde anseia pela companhia perdida e, quem sabe, por igualar o destino da amiga.
As imagens finais são os símbolos de como as mulheres construíram os seus desígnios de actrizes e realizadora a pulso e contra muitos obstáculos, num percurso que não podem dar como concluído.
Por mais que haja ficção a mostrar-se, é inevitável que o filme continue a ser um documentário quando a sua forma final expressa tanto da sua feitura.




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