quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Os Miseráveis, por Tiago Ramos


Título original: Les misérables (2012)
RealizaçãoTom Hooper

Se o romance original de Victor Hugo é um marco inegável da literatura, é verdade também que o musical homónimo lhe trouxe grande parte do seu mediatismo mundial. Entre várias das adaptações do romance ao cinema, há muitos anos que o seu sucesso na Broadway lhe pedia uma adaptação também musical ou não fosse também Hollywood sempre atenta a novas formas de criar dinheiro. Depois de The King's Speech (2011), a tomada das rédeas desta adaptação pelo britânico Tom Hooper poderia ser também ela de certa forma a mais justa e acertada tendo em conta o perfil dos grandes estúdio e nota-se que há uma intenção clara em reinventar-se dentro do género e brincar com a linguagem cinematográfica. Uma delas - pelos menos a mais popular - é o facto dos actores interpretarem as canções ao vivo durante as filmagens, garantindo uma maior genuinidade e emoção nas suas interpretações, sem terem de se preocupar em coordenar a sua interpretação física com a interpretação vocal, como no caso da grande maioria dos musicais adaptados ao cinema onde as canções são gravadas previamente. É precisamente aí que reside uma réstia de frescura (embora não seja totalmente original - de repente recordamo-nos de Across the Universe em 2007) no filme e que permite sobretudo que os actores se destaquem, saindo da sua zona de conforto, mesmo mais habituados ao género e garantirem momentos onde a voz não soa inteiramente afinada, mas é seguramente cheia de emoção.

A segunda forma que Tom Hooper encontra para se destacar é precisamente no seu trabalho de realizador. Longe da frequente estática, aqui a câmara é altamente frenética: à mão, roda por completo à volta dos actores, faz close-ups das suas faces, mas também sobe e desce constantemente em gruas. Não obstante a sua interessante opção, a verdade é que parece que o realizador boicota constantemente a sua própria intenção de criar um épico memorável. Entre um filme tão ansiosa e, arriscaria até dizer, pretensiosamente desesperado em exibir um orçamento tão generoso, através da sua (magnífica) direcção artística e em demonstrar-se tão epicamente grandiloquente, a sua câmara nega isso ao espectador, esquecendo-se daquilo que tanto quer mostrar, para se focar na face dos protagonistas. E apesar da sua tentativa ser focar a dor e angústia daqueles miseráveis, a sua opção é tão incómoda que se destaca a tempo integral, resultando no oposto: ofusca os protagonistas. É a sua câmara pretensiosa que perde a mão ao filme que tinha potencial (não fosse o material de origem, o orçamento e o elenco de luxo) para ser bastante melhor. É essa mesma câmara que  não consegue deixar de ser tão melodramática, ao ponto de apagar precisamente a emoção que aqueles actores e momentos da narrativa deveriam transmitir ao espectador.

Em Os Miseráveis nota-se que há uma entrega absoluta de toda a equipa. Fala-se claramente dos actores, a gema do filme, a começar por um Hugh Jackman num papel sofrido e sentido, uma Anne Hathaway que rouba todos os momentos em que surge - pena que sejam poucos, já que a partir do momento em que ela sai de cena, perde qualidades - e uns competentes Eddie Redmayne e Samantha Barks. Falemos também de uma inesperada e simpática surpresa e que a muitos passará despercebida: a estreia de um jovem Daniel Huttlestone, como uma brilhante interpretação como Gavroche. Nem tudo porém é excelência e nota-se que falta em alguns casos uma boa direcção de actores - mas mesmo com uma forte entrega, é difícil salvar Russell Crowe da sua patética interpretação ou a dupla Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter para a qual não há paciência ser reduzida a uma tremenda patetice.

Para os mais incautos há que o dizer: verdadeiramente musical, quase cem por cento dos diálogos são cantados. E se isso dá momentos bastante interessantes (já Les parapluies de Cherbourg o fazia com uma grande mestria) garante também, dada a excessivamente longa duração do filme, a situações bastante penosas - especialmente para os menos fãs do género - mas que apenas confirmam a excessividade do trabalho de Tom Hooper. E apesar de grandes momentos com o inevitável I Dreamed a Dream ou On My Own (mais devido às suas geniais intérpretes), é verdadeiramente nas cenas de multidões e da revolução que o filme mais brilha, tanto musical como narrativamente, conseguindo criar o ritmo adequado e que falta a grande parte do filme.

Não podemos negar, no entanto, o trabalho técnico envolvido - a sua qualidade é magnífica, desde os cenários, ao guarda-roupa, cabelo e maquilhagem - e a coragem e energia despendidas pelo seu elenco. Os Miseráveis tem material para o espectador se emocionar e vibrar - e certamente muitos haverá que não verão desperdiçadas as horas nele dispensadas - mas é inevitável motivo de pesar que o seu realizador não saiba trabalhar o material sem cair do alto da sua pretensão épica.


Classificação:

2 comentários:

  1. Depois de duas semanas de impaciente espera finalmente lá vi "Os Miseráveis".
    Eu já não me integrava na categoria dos mais incautos porque conheço o musical mas, saber como seria a sua forma em filme, era ainda para mim um mistério.
    Concordo com muitos dos pontos assinalados na tua crítica quanto à realização e, acho que por isso ficou um pouco aquém do que esperava mas, mesmo assim, não me desiludiu. Quem me acompanhou e desconhecia por completo que era um musical não morreu de tédio, pelo contrário, ficou a adorar uma história que até aí desconhecia e a desejar conhecê-la no seu outro formato, em livro.
    Por isso, como fã do musical fiquei muito satisfeita mas talvez um pouco desiludida pelos erros/opções/factos que apontaste.

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  2. Como ainda não vi estes "Miseráveis", não irei manifestar-me, mas, à cautela - e servirá de informação para muitos possiveis leitores - digo que gostei da mini-série francesa, protagonizada por inúmeros actores franceses de referência mundial. Podem consultar mais no IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0230534/

    Quanto à "cena" dos diálogos cantados, o senhor nos livre! Oh Tiago,eu até costumo subscrever muitas das opiniões aqui manifestadas, mas "Les Parapluies de Cherbourg" é daqueles produtos cinematográficos que podiam perfeitamente ser incluídos numa das torturas criativas do Jigsaw.

    Vi-o, a título de exemplo, numa aula de crítica de cinema, e devo dizer que, para além da Catherine Deneuve, jovem, loira e gira, só a fotografia se aproveita, e eu sou um "adorador" do cinema francês.

    Não fiquei "paneleiro dos olhos" a ver o B&B3, mas vá, também não me preguem com musicais experimentais "intelectualóides" nas bentas!

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