quinta-feira, 4 de julho de 2013

Post Tenebras Lux, por Tiago Ramos


Título original: Post Tenebras Lux (2012)
Realização: Carlos Reygadas
Argumento: Carlos Reygadas
Elenco: Adolfo Jiménez Castro, Nathalia Acevedo e Willebaldo Torres

A câmara foca-se numa pequena criança, na sua verbalização («Vacas! Perritos!») do que vê e rapidamente nos apercebemos que o que vamos ver a seguir é único. A câmara de Reygadas filma a natureza como ninguém (nem Terrence Malick a observa desta forma tão belamente devastadora), mas filma-a também com um sentido de desfasamento - através daquelas imagens desfocadas e duplicadas - que se aproxima da narrativa fragmentada e desconexa que desenvolve em Post Tenebras Lux. O que há para perceber por aqui não é necessariamente um mistério à espera de ser solucionado, um sentido ou uma lógica nos acontecimentos. O que Carlos Reygadas procura é replicar uma experiência pessoal como se de um sonho se tratasse. E os sonhos nem sempre se explicam, nem sempre se assumem coerentes ou lógicos. A luz depois da escuridão - post tenebras lux - não vem na forma da narrativa clássica, porque o que nos aparece diante dos olhos é a mais magnífica experiência sensorial dos últimos anos e um dos melhores - senão o melhor - filme do ano.

Há um demónio que faz lembrar o cinema de Apichatpong e que alude àquilo que quisermos. A personificação do Mal, um prenúncio do destino daquela família (de Reygadas?)? Post Tenebras Lux é um verdadeiro ensaio de associações, de sons e imagens, de metáforas ou não, de múltiplos sentidos ou nenhum deles. Intrigante, desafiante, perturbador, incómodo e estranhamente belo. Mas há sobretudo uma noção de intimidade que consegue transmitir ao espectador. Sentimo-nos mais perto de Carlos Reygadas, da sua vida e das suas experiências. Sabemos que o que estamos a ver é muito dele e muito pessoal, uma espécie de concessão ao espectador, que nos permite uma das visitas mais surreais e impressionantes dos últimos anos (temos as vacas, os cães, os filhos, a mulher e as experiências de Reygadas na tela). Uma visita íntima, mas ao mesmo tempo quase impenetrável, tão poderosa e violenta, tão sensorial e sobretudo tão incrivelmente certeira na forma como nos atinge. Poucos filmes penetram assim nesta camada tão profunda do onírico. Há até uma cena, belíssima e estranhamente tão terrena e imperfeita, com uma versão de canção "It's a Dream", de Neil Young. Não significa sequer que nos esteja a ser dada uma pista em relação ao filme: é um sonho. Significa que o que estamos a ver é tão frágil, tão terrivelmente especial e perverso, como encantador. A sua acessibilidade depende também da nossa flexibilidade e sobretudo se ainda não nos deixámos entorpecer pela necessidade do racionalismo. A única necessidade aqui é a de desfrutarmos uma das experiências mais singulares do ano.


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