Um dos mais curiosos trabalhos dos últimos anos da autoria de Ozon, Dans la maison irrompe pelo domínio do thriller, usando alguma metalinguagem para fundir as barreiras entre ficção e realidade. Aqui o espectador fica também próximo do protagonista, o autor da história que atravessa a narrativa principal, tornando-o sobretudo um voyeur daquelas vidas, com algumas evocações inclusive a Rear Window (1954). Mais cerebral que uma grande maioria dos trabalhos do cineasta, mesmo assim o elenco consegue humanizar as suas personagens, à medida que o espectador se vê envolvido num intrincado arco narrativo. Tiago Ramos
Uma tese sobre o confronto da arte da narração com a arte moderna de significados fechados na mente do artista vai-se transformando num delicioso drama de costumes quase em modo de thriller comentado e manipulável por dentro. Estamos no campo de afinidades que Ozon já havia explorado em Sous Le Sable ou Swimming Pool, mas que consegue ir ainda mais longe, num exercício tão mais delicioso quando inicia o processo de crítica interna ao controlo da escrita para melhor jogar com a perversidade do abrangente voyeurismo moderno. Um jogo que Ozon parece ter inventado para si mesmo e que se mostra das obras mais originais de entre o mais recente cinema. Sobretudo porque termina sem uma conclusão para a tese, antes com um final que são vários e que satisfazem os muitos planos narrativos/hipóteses em aberto. Sem tomar o espectador por tonto nem usar um final aberto como prova da intelectualidade bem pensante. ½ Carlos Antunes
Batalha do Pacífico (2013), de Guillermo del Toro
Os melhores efeitos especiais deste Verão de blockbusters e uma capacidade de não aborrecer o público. Estes são os grandes atributos de um filme que tem um argumento a que falta senso comum, ideias e talento. À conta de tal multiplicam-se os momentos em que uma qualquer ideia visual se sobrepõe à lógica interna. Mas mesmo essas ideias se mostram das mais pobres de entre as que teve Guillermo del Toro, ora feitas de clichés - as várias e óbvias nacionalidades dos robôs - ou de reciclagem - as similitudes de composição dos monstros com o Forest God, por exemplo. Os vastos conhecimentos de Anime (e Manga) que o realizador reivindica para si mesmo e que devem servir de caução ao filme - como homenagem ou outra coisa qualquer - tornam o resultado ainda um pouco mais ridículo. Carlos Antunes
Com referências a Evangelion, assim como uma espécie de homenagem ao género kaiju (os monster movies originários do Japão, como Gojira), Guillermo del Toro equilibra bem as diferentes nuances de uma história como Batalha do Pacífico. Thriller de ficção-científica, repleta de acção estrondosa e destrutiva (alguma dela em excesso, fruto de um fascínio do cineasta pelo grande orçamento que viu em mãos), o filme não se escusa a um entretenimento competente e agradável, um lado humano bastante forte, assim como algum humor (principalmente através do comic relief das personagens dos cientistas). O elenco é particularmente competente, especialmente tendo em conta o material que têm em mãos, mas o destaque vai para a breve participação da jovem Mana Ashida. ½ Tiago Ramos
Com referências a Evangelion, assim como uma espécie de homenagem ao género kaiju (os monster movies originários do Japão, como Gojira), Guillermo del Toro equilibra bem as diferentes nuances de uma história como Batalha do Pacífico. Thriller de ficção-científica, repleta de acção estrondosa e destrutiva (alguma dela em excesso, fruto de um fascínio do cineasta pelo grande orçamento que viu em mãos), o filme não se escusa a um entretenimento competente e agradável, um lado humano bastante forte, assim como algum humor (principalmente através do comic relief das personagens dos cientistas). O elenco é particularmente competente, especialmente tendo em conta o material que têm em mãos, mas o destaque vai para a breve participação da jovem Mana Ashida. ½ Tiago Ramos
A Loja dos Suicídios (2012), de Patrice Leconte
Uma animação dotada de um humor surpreendentemente negro e inteligente, apesar de misturar um desnecessário tom musical que apenas destoa da narrativa. O seu tom depressivo e adulto, assim como uma visão ironicamente negra acerca do suicídio são os principais factores que tornam este A Loja dos Suicídios um dos mais curiosos filmes de animação dos últimos anos. Perto do seu fim torna-se repetitivo e desvia-se, infelizmente, da sua linha narrativa negra para assumir um lado mais solar da história, o que o faz perder algum do seu poder inicial. Tiago Ramos
Quando há uns anos atrás ficou disponível em Português o livro que deu origem a este filme já a adaptação ao cinema se anunciava fazendo sonhar com abordagens de Charles Addams ou Tim Burton. Agora que o resultado existe para ser visto, todos os sonhos são destruídos por uma transformação do humor negro em material de canções despropositadas e/ou foleiras - há bananas nas letras apenas para rimar! - como se Patrice Leconte quisesse ser a Disney que a própria Disney deixou de ser. O pouco humor negro que sobra por entre gags de má qualidade vai perdendo os seus efeitos a caminho de um colorido final feliz e moralista que desvirtua tudo aquilo que o livro, corajosamente, era. Um sentença fácil desta vez: leia o livro, não veja o filme. ½ Carlos Antunes
Xingu - A Expedição (2012), de Cao Hamburger
Estamos perante um exemplo de bons valores de produção que valorizam as imagens de um património que é mundial, valorizado pelo foco numa história brasileira nem sempre com a exigida dignidade. Claro que o ponto de vista dos três irmãos heróicos permite uma certa bonança no momento de confrontar a memória do próprio país, mas mesmo que se faça por esquecer as implicações (actuais) históricas e políticas de Xingu torna-se difícil ignorar uma certa rasura moral dos intervenientes. Se os irmãos até são colocados em certa dúvida pelas relações políticas e amorosas, a diversidade indígena é reduzida a uma cena de contestação por um indivíduo que preferia continuar a receber salário do que viver numa reserva.
Sinal demasiado isolado do mais complexo confronto ideológio que haveria a retratar, no que passa por ser uma glorificação dos irmãos Villas Boas, à qual falta ritmo para percorrer a cronologia mantendo-se tão colado aos três protagonistas, de entre os quais não há como deixar de destacar João Miguel, que já não víamos desde Estômago e que continua a merecer os mais significativos papéis. Carlos Antunes
Uma das raras estreias do cinema brasileira do outro lado do Atlântico, Xingu pode não ser o melhor trabalho que essa filmografia nos trouxe nos últimos anos, mas não deixa de ser um honroso produto. Especialmente porque com os elevados valores de produção, assim como o desejo honesto de "contar uma história" com um fundo histórico e ligado às suas origens, o filme consegue fazer-nos olhar para o cinema português com um tom crítico e de quem pode retirar algumas lições para aplicarmos à nossa própria produção. O seu maior defeito é sobretudo como o argumento se dispersa em tanta informação, assim como o excessivo uso da narração em voz off, mas destaca-se maioritariamente pelo registo historicamente fiel (o design de produção é todo ele fabuloso), boas interpretações, assim como uma direcção de fotografia que potencia bem a beleza dos locais das filmagens. ½ Tiago Ramos
A Qualquer Preço (2012), de Ramin Bahrani
Apesar da narrativa oscilar entre várias temáticas, entre elas o drama corporativo, o falhanço do american dream e a América interior e rural, todas essas situações são desculpas para o verdadeiro tema deste A Qualquer Preço: as relações entre pais e filhos. Tema particularmente afecto ao cinema norte-americano, Ramin Bahrani não o recria com singular originalidade, mas consegue de facto retratá-lo de forma emocional e competente, ainda que previsível. Dennis Quaid e Zac Efron arrancam prestações convincentes. Tiago Ramos
A estrutura da relação entre pai e filho - por duas gerações - é o cerne de um filme que se instala na América profunda para reflectir sobre as possibilidades de escapar à incerteza e à irrelevância num meio cada vez mais despido de possibilidades: grandes negócios ou sucesso desportivo. Mesmo mantendo alguns clichés narrativos - o papel de Heather Graham ou a acção que lança o terceiro acto - o filme sabe bem aquilo que quer mostrar, evitando o revivalismo pelo Passado e o pessimismo pelo Futuro. Um filme sólido cuja coesão se faz das duas interpretações em que se o destaque é de Quaid, a relevância é de Efron que, no seguimento de The Paperboy, merece sem mais dúvidas a designação de actor. ½ Carlos Antunes
Turbo (2013), de David Soren
Uma anedota que já era velha quando eu era bem novo conta-se - obrigatoriamente em inglês - assim: A snail goes to buy a Porsche buts tells the seller he wants an S painted on the doors, on the roof and on the hood of the car. The seller asks the snail why would he want to ruin the car like that. The snail answers that he wants to go by and have everyone say "Look at that S car go". A anedota não é boa mas mesmo assim é melhor do que Turbo, o que acho que dá uma ideia clara do patamar em que o filme se encontra.
Um conjunto de vozes reconhecíveis e trabalho de animação de qualidade já não chega para convencer o público - excepto as crianças que se contentam com um excesso de cores e néons em movimento acelerado - a aturar um filme com uma má premissa e um pior desenvolvimento. Parece que alguém dentro da DreamWorks Animation se limitou a ver Cars e Ratatouille e a deixar-se levar pelo pensamento de que conseguia fazer melhor num único filme. Parece tudo tão roubado a outros filmes que até a corrida termina numa espécie de variação de Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby, mas sem humor.
Fica concluído que caracóis e carros não têm escala para serem combinados, mas vender-se-ão brinquedos disto. ½ Carlos Antunes
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