sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Beyond: Two Souls - Videojogos a caminho do cinema?



Guillaume de Fondaumière esteve em Portugal para apresentar o jogo Beyond: Two Souls. Fê-lo numa sala de cinema do City Alvalade em Lisboa, com isso reforçando a importância que o cinema tem neste jogo - e que já tinha no anterior da produtora, Heavy Rain.
Tratando-se de uma complexa saga que atravessa 15 anos da vida da protagonista, Jodie, mas que recusa a linearidade narrativa, a primeira ligação ao cinema está logo no facto de Memento servir de referência para explicar aquilo que pode ser visto.
Claro que a força maior dessa ligação está no par de actores centrais, Ellen Page e Willem Dafoe, que dão a primeira interpretação total para um videojogo, ao contrário dos mais habituais contributos de vozes para as personagens.

Por falar em vozes, aproveitamos para referenciar o elenco de actores nacionais que fizeram a dobragem do jogo para o nosso país, mesmo que poucos sejam os jogadores a optar por ela se a intenção é descobrir as interpretações dos dois conhecidos actores.
No lugar de Page e Dafoe estarão Joana Santos e Rogério Samora, a quem se junta Ricardo Pereira e Rui Unas.

Além dessas duas ligações com o Cinema, destaque ainda para aquele se poderá ouvir na banda sonora. Depois de Angelo Badalamenti ter sido chamado a Fahrenheit, desta vez o composito é Lorne Balfe, já experimentado quanto a filmes, mas é o nome do seu produtor, Hans Zimmer, que merecerá o reconhecimento maior.

E há, claro, a curta-metragem Kara, um pequeno filme realizado pelo criador do jogo, David Cage, e que serviu de amostra ao motor de jogo que a empresa criou para servir ao lançamento de Beyond: Two Souls.




Para falar sobre o jogo, confesso não ter a mesma experiência ou capacidade de análise que teria para um filme.
Daquilo que foi apresentado posso destacar a qualidade gráfica a caminho de um realismo que serve muito bem o que se viu da perfomance de Ellen Paige.

Tal como os valores de produção evidenciados pelas exigências dos múltiplos cenários - que exigiram um orçamento a rondar os 20 milhões de euros - deixaram boa impressão e a ideia de que as produtoras de cinema virão a procurar aqui alternativas para os seus métodos, ainda que não de imediato.
Afinal, o jogo tem mais de 53 horas de animação - fruto da multiplicação de cenários - que levaram um ano a filmar.

A hipótese de controlo dual no jogo, uma inovação, a par da mais orgânica e discreta intervenção do jogador nas encruzilhadas do jogo foram destaques da parte do produtor.
Mas em nome da experiência diversificada mas acessível a todo o tipo de público, este jogador ocasional apreciou particularmente a versão simplificada dos controlos em aparelhos Touch dedicada a não jogadores.
Poderá não permitir o total usufruto da experiência de jogo, mas permitirá aos cinéfilos desinteressados de consolas experimentar um jogo a meio caminho de se tornar um filme.




Para os cinéfilos interessarão as revelações vistas num pequeno vídeo, ao estilo dos making of televisivos, em que Ellen Paige era entrevistada.
As dificuldades de trabalhar contra o vazio não são novidade perante os vários filmes que usaram o chroma key, mas ela referiu igualmente a dificuldade que representava dar uma interpretação integral quando se está coberto de sensores (como fica evidenciado na imagem abaixo).
O próprio Guillaume de Fondaumière destacaria essa interpretação por não só acontecer sob físicas difíceis, mas por ser uma interpretação de uma longa extensão da vida da personagem feita em apenas quatro semanas.
Mas aquilo que a actriz destacou como mais difícil ainda foi o facto de a interpretação extensa exigir uma variação muito grande do leque de emoções.
A cada ponto de inflexão da narrativa ela tinha de dar interpretações credíveis para as várias hipóteses de ocorrências e, depois, para os vários cenários que daí adviriam.




A equipa de produção do jogo incentiva as pessoas a completarem Beyond: Two Souls apenas uma vez e a partir dessa narrativa individualizada cruzar experiências com outros jogadores.
Daí levanta-se uma questão interessante: poderá um dia destes a experiência de jogo ser acompanhada de uma gravação vídeo da totalidade dos acontecimentos que funcione como um filme individualizado para cada jogador rever a "sua" história?

No entanto, aquilo que tendemos a chamar como uma obra de arte cinematográfica é uma obra com uma visão fechada à imagem do(s) seu(s) criador(es) mas que perante uma extensa plateia é capaz de gerar um número tão grande de interpretações - emocionais, se mais nenhumas - quanto o número de pessoas que a compõem.
Por isso há perguntas que acabam por ter de ser feitas da parte dos cinéfilos que se deparam com os videojogos a aproximarem-se das formas cinematográficas e a crítica a usar o Cinema como referência distintiva para Beyond: Two Souls.


Pode este jogo apresentar uma visão do seu criador?
David Cage (com a sua equipa) criou perto de trinta finais possíveis para o seu jogo, além dos vários cenários alternativos intermédios.
Perante essa necessidade de invenção em quantidade, será possível falar de narração ou de intenção global?
E até que ponto os muitos cenários compostos por David Cage apresentam a mesma qualidade que um único guião - e uma única hipótese de percurso - pode atingir se trabalhado meticulosamente?


Em que momento se pode acreditar que estamos perante uma narrativa completamente formada?
Guillaume de Fondaumière revelou que um dos jogadores que testaram o jogo se queixou da linearidade do mesmo, surpreendendo-se depois quando outros destacavam cenas que ele nem sequer vira.
Colocando decisões fulcrais nas mãos dos jogadores, poderá falar-se de um autor se a intervenção deles acaba por alterar a narrativa até que esta possa ser pouco mais do que saltos de ponto jogável para ponto jogável?
Que confiança pode haver de que a narrativa alcançará para cada jogador o nível de complexidade visionado pelos criadores?
Será realmente melhor intervir numa história em vez de passivamente ver um filme, quando um jogador arrisca nunca alcançar os grandes pontos estruturais da narrativa, não acabará frustrado perante a necessidade de descobrir pelos outros o que de verdadeiramente bom esta tem?


Certamente que os videojogos não merecem uma reacção de desconsideração por parte dos cinéfilos - facilmente se recorda a longa discussão a que Roger Ebert se sujeitou quanto a tal tópico - visto que a linguagem desses está cada vez mais próxima da dos filmes, mas não se vê ainda a hipótese clara para uma definição de estatuto que os faça ascender a Arte.
Aliás, o próprio Guillaume de Fondaumière tratou de afastar essa questão, destacando que o que a Quantic Dream produz jogos: entretenimento distinto de tudo o mais que surge actualmente mas, ainda assim, jogos.

Seja como for, entre a produção cinematográfica deste Beyond: Two Souls ou a possibilidade de jogar L.A. Noire a preto e branco passando pela curta-metragem produzida com base no unverso de Red Dead Redemption, os produtores de videojogos não têm apenas apropriado-se das possibilidades do cinema, têm conscientemente tentado apelar e antecipar as expectativas de outros grupos de interessados nas Imagens em Movimento e o que a eles está associado.
Este artigo, como outros que o videojogo tem merecido em publicações dedicadas ao Cinema, são a prova disso.


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