segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Review: Transparent - Temporada 1

Por Joaquim da Silva.

Einstein dizia que tudo é relativo. Lavoisier dizia que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. E quando se relativiza a transformação ou se transforma a relatividade? Transparent é toda uma nova visão do mundo. Uma perspectiva vigorosamente refrescante e seriamente ligeira. É a mais poética e perfeita interpretação da essência do ser humano no mundo, da intrínseca simbiose ser/estar, é a personificação da ambiguidade existir/viver. Sinto, logo existo. E se sinto que não pertenço à existência?

Transparent levanta o véu ao complexíssimo plano da condição. Interroga o espectador sobre o que é ser, o que é viver, o que é preciso ser para existir, ao mesmo tempo que incide de forma acutilante nas relações familiares convencionalmente modernas. É como se de repente fosse possível reescrever a história, sem medo, sem tabus, sem preconceitos. 

Transparent  é de uma genialidade quase perfeita, uma obra quase prima. Da desconstrução da única palavra que dá o nome à série, surge logo o tema central, que muito dará que ver: Trans-parent, a história de um progenitor transexual. Transparent, aquilo que nenhum de nós gosta de assumir que gostaria de poder ser, numa representação a muitas cores do que almejamos que seja a preto e branco, simples e claro: nós. A infindável procura do eu é o mote para um conjunto de peripécias e leves dramas, que trarão à superfície tudo aquilo que, na verdade, nos impede de sermos transparentes.

Mort (Jeffrey Tambor), o pai sempre presente, o marido não tão perfeito, o homem por detrás do núcleo familiar central da trama, deixa de fingir ser o que não acha que é, e assume-se Maura, a sua verdadeira e há muito reprimida identidade, cujo maior desejo é poder ser transparente. Sarah (Amy Landecker) é a filha mais velha, heterossexualmente casada, mãe de dois filhos, que deixa o marido por Tammy, antiga paixão de faculdade. Sarah é também a primeira personagem principal a saber da decisão de Maura, e parece apoiar incondicionalmente, no entanto, transparece que é apenas uma forma de desviar a sua própria atenção da culpa e algum arrependimento que sente de si mesma, por ter destruído o seu lar. Josh (Jay Duplass), o filho bem sucedido e mulherengo, com uma vida cheia de sucessos e balões de aplausos, é no entanto um homem que vide num constante medo da solidão, que mascara com a sua colecção de conquistas fáceis, e é também o último a saber da transição na vida de Maura, e o que descobre da pior forma, pois é a irmã Ali (Gaby Hoffmann), que não consegue conter-se. Aliás, Ali é a hipérbole dos excessos, desde a sua fácil associação a vícios, como a dificuldade de relacionamento com os outros, o seu crónico desemprego e consequente dependência financeira do pai, culminando nos seus extravagantes e explícitos devaneios sexuais. No elenco principal figura ainda a sempre excepcional Judith Light, que dá vida a Shelly, a ex-esposa de Maura e mãe de Sarah, Josh e Ali.

Transparent é uma mistura de personalidades, de atitudes e de visões. A perspectiva de cada um funde-se com a do espectador, numa tentativa de ligação emocional entre o drama das personagens e o mundo real, através da construção de um paralelismo absorvente e fascinante entre eles, os Pfefferman, e nós, os humanos que todos somos. Trata ainda de desmistificar a transexualidade, de dar uma nova abordagem a um dos mais quentes temas políticos do momento, os direitos LGBT. Contudo, Transparent evita a associação a qualquer estereótipo LGBT e prefere dar a sua opinião sobre um tema muito mais importante e globalizante, o mais básico e imprescindível direito humano: a liberdade. De género, de expressão, de religião. E o choque entre o direito à liberdade individual e a não interferência na liberdade alheia. É essa fina linha que define a série: até que ponto somos realmente livres de sermos transparentes? Em suma, é sem dúvida uma das melhores séries do momento. Inovadora, refrescante, inteligente, que certamente irá expandir horizontes e desmarcar fronteiras, que belisca os limites e a própria concepção de limite. É inclusiva, vincadamente focada nos contornos do crescimento da mentalidade e na destruição de tabus, está certamente destinada a ser vista e vivida como um dos pontos altos da indústria em 2014.

P.S.: Apesar de todo o elenco desempenhar os seus papéis de forma brilhante, destaque enorme para Judith Light e Gaby Hoffmann. A primeira pelo extraordinário uso que faz da expressividade da linguagem corporal e a segunda pela imensa profundidade e genuinidade que imprime à sociopatia de Ali, que quase faz acreditar que não é encenado. Parabéns.


Transparent (2014)
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Temporada 1

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