quinta-feira, 14 de maio de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria, por Carlos Antunes



Título original: Mad Max: Fury Road
Realização: George Miller
Argumento: George MillerBrendan McCarthy, Nick Lathouris
Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult


Este é o espectáculo operático de cor, som e, como o título vinca, fúria. O espectáculo operático de cor, som e fúria que esperávamos desde que Stanley Kubrick os criara em A Clockwork Orange.
Vale a pena lembrar que George Miller assumiu que a representação da violência nesse filme de 1971 era uma das fontes de inpiração para Mad Max.
Neste Mad Max: Fury Road há uma suplantação do que Kubrick alcançou outrora, porque passadas todas estas décadas há mais que pode ser alcançado.
Possa George Miller perder em muitos domínios para Kubrick, não será no talento para a composição de cenas de acção.
A forma como estabelece essas cenas tornando-as num movimento em favor mútuo para com a câmara permite-lhe alcançar uma representação que tem tanto de bailado coreografado como de desporto sangrento.
Envolvência e agressão num movimento contínuo de corpos vivos, sejam eles humanos ou mecânicos, pois não há "ser" no filme que não ruja, não lute e não sangre à sua própria maneira.
Cada um deles apreciado pela câmara antes de ser exibido para os olhos do público, cada um deles dignificado pelos efeitos especiais que os servem, numa lógica que contraria a modernidade do aparato fílmico em que todas as peças - até os actores - estão ao serviço da exibição técnica.
E os feitos técnicos do filme são extraordinários, sobretudo atendendo que são na sua maioria alcançados fisicamente e não por uma invenção digital.
Não apenas convincentes, porque incorporados com o restante que foi filmado, parte integrante de uma relação sensorial com o público.
São eles que reforçam a intensidade verídica das cores que explodem no ecrã e que procuram suplantar as restrições do Cinema em relação à Pintura.
George Miller transformou o ecrã numa tela, exaltando as cores calorosas em nome de um apreço civilizacional que se é essencial para quem hoje vê o filme, mais o será para uma civilização que viu ser destruído tudo o resto que era belo. E assim valorizamos esta ideia inversa de como a cor mais viva pode ser a realidade de um mundo pós-apocalíptico, quase sempre reduzido ao cinzento.
Se a acção serve de pinceladas à cor, está também em combate com o som e a música do filme. A edição de som e o conjunto de sonoridades - envolventes composições originais de Junkie XL - batem-se com as imagens para que, no final, estejam ambos elevados a um patamar mais intenso, o da imensidão que esbate as fronteira do espaço à nossa volta.
Até aqui não se tinha visto um filme que merecesse para lá de qualquer dúvida a estafa de enfrentar uma tela IMAX em 3D.
O filme procura ser uma obra de Arte para lá do que já reconhecemos que o Cinema pode ser, no fundo uma síntese de expressões artísticas.
O filme alcança uma saturação dos sentidos que é anunciada pelo rugido dos motores quando o ecrã está a negro mas que só se compreende quando o genérico termina e somos libertados daquele mundo inexorável.
Só que trata-se de uma saturação satisfatória a que nos rendemos sem réstea de pensamento a interromper o fluxo de cor e som; sem que isso signifique que está para lá de um apreço com o cérebro "ligado".
Trata-se de um épico de perseguição automóvel em busca de uma expressão revolucionária para o cinema de grande público que, ao mesmo tempo, proporciona todos os elementos que cumprem com as expectativas do blockbuster. Apenas - e que importante é esta palavra - fazendo-o de forma inteligente.
Há cenas excitantes e momentos de transformação romântica, há invenção visual e uma prevalência da acção sobre a construção dramática.
Isto se olharmos o filme superficialmente, como um bloco mais para integrar o modelo do que tem sido servido.
O filme não necessita de se explicar em demasia, sabendo ser simples na definição do seu universo, auto-explicativo à medida que se desenrola.
Começando com a acção em andamento, esta nunca pára para que os personagens se dêem a explicar.
A dimensão humana - também de espectáculo/luta - coexiste com a da grandeza mecânica, numa variação de escala temporizada que vai também definindo o carácter do que George Miller vislumbra para o futuro da Humanidade.
A descrição de cada personagem está à beira do estereótipo funcional mas com as nuances sábias que lhes dão dimensão e integram os seus papéis de forma credível.
Basta atentar no caso de Nux, um War Boy que muda do lado do tiranismo para o do heroísmo, conduzido por uma aproximação ao amor, sem que tal se deva à beleza superlativa das jovens mulheres que tenta salvar mas à necessidade de uma réstea de esperança que poderá vir do carinho. A fragilidade do servilismo e da juventude num mundo sem perspectivas individuais de futuro.
Caso interessante mas, com todo o apreço pelo personagem de Ncholas Hoult, nunca passará de um apoio a Furiosa e Max, focais numa expressão da visão de George Miller que impacte o público.
Furiosa introduz uma crescente (e surpreendente) dimensão emocional a quem se parece guiar pela determinação cega da violência. A procura de um apoio e de uma identifição sentimental nasce do peso da tarefa hercúlea a que se propôs e que iniciou a solo. Ela carrega a ilusão mantendo-a tão calada quanto um mundo de homens violentos exige e recupera a sua feminilidade por intermédio de outras.
Max, calado e explosivo como os melhores heróis de acção, foi outrora definido na composição original de Mel Gibson mas veio-se transformando neste vagabundo niilista em sintonia com um planeta transformado em restos. Útil ao grupo apesar de guiado sempre por um egoísmo lógico (pelo qual passa a sua incrível capacidade de sobrevivência), ele vai-se integrando com os outros - e começando a torcer por eles, até! - de forma discreta mas quase absoluta.
Contrariando os nomes que lhes são atribuídos, Furiosa pode muito bem ser a única pessoa deste mundo que nos comove apesar de programada para o combate, enquanto (Mad) Max não parece senão o bastião do comportamento são mesmo quando o seu diálogo parece limitado ao seu próprio interior.
As interpretações de Charlize Theron e Tom Hardy são absorventes, capazes de fazer do mínimo de cenas de caracterização matéria muito expressiva. Merecem louvores por fazerem valer o seu trabalho no seio de um filme que poderia deixar apenas memórias sensoriais.
Em conjunto são mais do que uma dupla de protagonistas que valorizam ambos os géneros num mundo violento enquanto se relacionam sem renderem as suas identidades impositivas.
São uma dupla que fala da abrangência e transformação (aparentemente contraditória) da personalidade humana ao longo de um período de dificuldades 
Irreconciliáveis na aparência, são metades de uma existência única que expressa a nossa própria complexidade.
Com eles mantemos uma ligação ao trabalho expressivo de George Miller que impede que Mad Max: Fury Road se transforme num esforço intelectual admirável mas inexpressivo.
Como tal, do que veremos numa sala de cinema, este é e vai permanecer como o espectáculo do ano. Entreguemo-nos a ele - por mais do que uma vez!




1 comentário:

  1. Mad Max: Estrada da Fúria: 4*

    O filme tem efeitos visuais bastante bons e competentes, mas peca por ser grande demais.

    Cumprimentos.

    ResponderEliminar