quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O Pintassilgo, por Eduardo Antunes


Título original: The Goldfinch (2019)
Realização: John Crowley
Argumento: Peter Straughan
Uma história vencedora de um Pulitzer, um bom elenco. Pareceriam os ingredientes suficientes para um filme de extrema competência e emoção. Mas um final que se destaca demasiado da restante história de crescimento de uma criança e deixa questões em aberto sobre o protagonista que atentamente acompanhamos, não fugindo no processo a vários dos clichés habituais, acaba por não destacar o suficiente esta de outras narrativas semelhantes, para lá da premissa que oferece o título.

Todos os eventos que vão ocorrendo surgem episódicos, desconexos entre si, interligados apenas pela sua ocorrência após o bombardeamento que emoldura a narrativa, influenciados por esse evento. Isto é a vida, refere Boris para o final, apontando o desconhecimento, a incerteza, o maior ou menor grau de aleatoriedade patente nos eventos que nos moldam e que levaram Theo a reencontrar Platt, Boris, ou mesmo Pippa. Mas da mesma forma parece querer apontar o destino, uma desconhecida razão das coisas acontecerem.
Até então, o quadro é meramente símbolo, representável de um legado, fosse do seu autor, fosse da mãe de Theo, sendo o objecto sinal do seu trauma mas também do seu passado, única memória a que se agarra, como o demonstra literalmente quando se deita abraçado a ele. Se o pintassilgo do quadro está representado preso, também o protagonista se sente assim ao passado que o moldou.

Mas é no final que a forma como o filme é inicialmente enquadrado, misteriosamente apontando Theo numa situação potencialmente perigosa, caminhando o filme até aí, que informa uma certa contrariedade. No final, o quadro torna-se o centro, enquanto objecto, vendo-se Theo envolvido em algo inesperado para reaver algo que perdeu.
Isto leva Theo numa espiral crescente de descontrolo, desespero, por encontrar algo que perdeu, literal, simbólica, emocionalmente. E encontrando a primeira, não parece encontrar as restantes. Talvez fosse esse o intuito, a vida não terminara no que ele perdera, e continuaria para lá disso, como se o rever de algo significasse o retorno à felicidade que ainda não encontrara. 

Também durante todo este processo o filme acaba por enveredar por vários dos lugares comuns que este tipo de histórias costuma abordar. Porque se a contextualização dos eventos em redor do simbolismo de um quadro providencia uma diferente e refrescante premissa para o filme, rodeada por um certo mistério em redor dos eventos iniciais e das pessoas envolvidas, a forma conveniente como reencontra em adulto as pessoas que conheceu em criança, o enveredar pelas drogas como resposta aos seus receios, o pai abusivo e interesseiro que reaparece por conveniência, são aspectos que soam demasiado familiares.

Se entendemos o passado traumático que Theo em novo se tenta distanciar, por cada novo evento lhe trazer mais razões para escapar, em adulto fica a ambiguidade de um protagonista de quem gostamos mas comete vários erros, como qualquer ser humano. Mas não fica no final espaço para entender a resolução dos seus erros e atribulações. Talvez sinal da conversão de um livro de 700 páginas em duas horas e meia, fica ainda assim a carecer o filme de mais algum tempo para mostrar o crescimento para lá do quadro.
E talvez fosse o intuito, de manter o desconhecimento do futuro, mas ficando a sua situação relativa ao quadro resolvida, devessem também as relações em volta ter a mesma hipótese. Em que ponto fica o seu noivado com Kitsey? Dar-lhe-ia o destino do quadro a segurança suficiente para assegurar um possível futuro com Pippa? De que maneira os eventos finais permitem o perdão do seu mentor Hobie? 

São estas questões que parecem ser substituídas nos últimos momentos do filme pela desnecessária revelação dos eventos ocorridos imediatamente antes do bombardeamento - incluindo a revelação da aparência da sua mãe, que sempre se mantivera como uma memória inalcançável senão pela presença do quadro. E isto faz com que uma história de forma geral cativante deixe um desgosto pelo filme não responder às perguntas que ficam retidas no nosso pensamento saídos da sala.


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