domingo, 8 de setembro de 2019

X-Men: Fénix Negra, por Eduardo Antunes


Título original: Dark Phoenix (2019)
Realização: Simon Kinberg
Argumento: Simon Kinberg
Finalizada assim a actual iteracção destas personagens de banda desenhada no grande ecrã, após a compra de diversas propriedades intelectuais dos estúdios da Fox pela Disney, o último esforço levado a cabo deixa um sabor amargo e a vontade de ver um novo olhar sobre a riqueza das suas histórias, mas deixará igualmente a saudade de quase vinte anos de narrativas que, nem sempre acertando, várias vezes fizeram por arriscar num dramatismo maior das temáticas subjacentes.

Com Kinberg, enquanto argumentista responsável por The Last Stand, a almejar este projecto, era claro o seu interesse por um ponto narrativo específico, então já explorado. Um passado traumático para Jean Grey que, ao longo do tempo foi realçando a existência de uma sua personalidade incontrolável e perigosa. E se em 2006 essa narrativa pecava pela sua divisão no ecrã com uma outra que pedia maior atenção do seu expectador, este filme dedica-se inteiramente à sua história. 

Isto permite a utilização de interessantes nuances, numa clara indefinição da diferença entre aliados e antagonistas, entre a noção de bem e mal. Os meios que Xavier utilizou para poupar Jean do seu trauma, apesar de conhecermos as intenções iniciais aquando do seu acolhimento, ou a forma despreocupada como utiliza as capacidades dos seus alunos para atingir os seus objectivos, ainda que moralmente correctos, demonstram um suposto mentor que, na busca de preenchimento de uma causa maior, tornou-se incapaz de reconhecer os seus erros que originaram consequências inesperadas. 

E nesse sentido, até o contraponto com Erik (como sempre, num belíssimo e dedicado trabalho de Fassbender), que à sua semelhança desenvolve um refúgio para os seus companheiros mutantes mas, ao invés, pretende mantê-los distantes da sociedade e não integrados nos seus conflitos, continua a oferecer um cuidado olhar sobre dinâmicas básicas que noutras histórias pareceriam tão claras. Charles começa a perder a confiança dos seus aliados, começando estes a virar-se para meios menos convencionais, por a sua honestidade ser posta em causa, pelos seus intuitos não serem claros. Entendemos a diferença entre educação e controlo, protecção e impedimento, luto e vingança, à medida que acompanhamos as dúvidas crescentes em Raven e especialmente em Hank, que vemos ao lado de Charles desde há muito tempo e que chega aqui ao seu ponto de ruptura.



Até a própria escolha de Hans Zimmer como compositor demonstra o esforço em procurar o dramatismo pretendido, oferecendo a música, no entanto, a emoção que não transparece nas cenas, por não entendermos estas personagens a fundo. Ainda que conheçamos aquelas que acompanhámos desde há oito anos em First Class, essas estão já no final do seu percurso, enquanto Kurt, Ororo, Scott e, mais importante, Jean, apresentadas no filme anterior, ainda não tiveram o tempo necessário para entendermos as suas relações e dinâmicas. Ainda que Turner e Sheridan se esforcem, no pouco tempo que partilham, por nos demonstrar a relação amorosa que desenvolveram fora de ecrã.

E assim, também a introdução desnecessária da missão espacial que dá início à história – sem qualquer contextualização das dinâmicas em causa, seja entre os membros da equipa, seja da sua aceitação pelo público ou prestação de serviços, apresentando repentinamente o elemento cósmico que potenciará a transformação acelerada de Jean –; assim como a introdução de um claro antagonista a meio do segundo acto, para explicar os eventos iniciais e justificar uma batalha final que unifique as diferentes facções mutantes, sentem-se forçadas e apenas um meio de aproximar a história da banda desenhada que a inspirou e de resolver os conflitos criados a meio do filme.

Isso até faz com que existam duas vertentes em jogo. Se por um lado, a cena inicial mostra o descontrolo pessoal de Jean sobre as suas capacidades, a "força cósmica" que a invade serve o mesmo propósito. Mas se a tensão dos seus actos irreflectidos servia como forma de demonstrar o seu sentimento de isolamento, o elemento cósmico contradiz isso e retira-lhe o pathos pretendido.

Se, por um lado, este Dark Phoenix é, na sua base, representativo do que há quase vinte anos os filmes dedicados aos X-Men pretenderam instaurar nestas histórias, heróicas mas não por isso menos humanas, da mesma forma demonstra a instabilidade de como estas personagens foram abordadas. Ficamos de luto por uma série que teve os seus altos e baixos, esperando por algo novo, que arrisque tanto ou mais como estes filmes tentaram.



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