domingo, 19 de abril de 2020

O Homem Invisível, por Eduardo Antunes


Título original: The Invisible Man (2020)
Realização: Leigh Whannell
Argumento: Leigh Whannell

Não é a premissa de um filme controlado no seu orçamento e narrativa, sobre a possível paranóia de uma mulher abusada psicologicamente por uma força inescapável, suficiente para transpor este recontar da clássica história para lá de uma fraca tentativa de modernizar, mais que apenas superficialmente, um simples thriller tedioso.

O que parecia um esforço meritoso de renovar uma ideia tão conhecida não fraqueja na falta de quaisquer pontos fortes. Será antes no reconhecimento de uma falta de compromisso com o potencial que aparentemente o realizador e argumentista não saberia enfrentar que surge um certo desapontamento.
Após a inexplicada escapatória do que parece uma prisão sob a capa de uma luxuriosa e moderna mansão, em que todos os passos da protagonista se nos revelam tão calculados como os vigiados ângulos da fria e distante arquitectura que comumente espelha a própria relação em causa na cena, os momentos seguintes definirão os dois primeiros terços do filme.

É a partir da sua libertação e subsequente descontração quotidiana que surgem diversos momentos em que a câmara permanece fixa sobre um determinado momento, aparentemente normal. Aí, quando a cena se esvazia de presença humana, é-nos questionado se estaremos na presença da titular personagem. Aí, quando um acidente ocorre, o realizador faz-nos questionar quaisquer suspeitas que surjam seguidamente. Torna-se vincada, a partir desses momentos, a sensação de qualquer hipótese de presença do titular personagem significar antes a paranóia e trauma da protagonista posterior ao seu cativeiro.

Para mais, todo o restante argumento vai apresentando os eventos como possíveis frutos da imaginação, advinda das experiências traumáticas de Cecilia, nada mais que a transposição dos seus receios como justificação das suas acções aparentemente irracionais e inconscientes. A afirmação da morte do seu "captor" enquadra todos os eventos decorrentes como efeitos da desconexão com a sua própria memória e realidade, e julgamos então o título do filme como significante da metafórica natureza da psicose da personagem de Elisabeth Moss que, não apenas a afecta a ela, mas faz a sua própria família questionar qualquer razão que lhe sobrasse.




No entanto, o facto é que, o que rapidamente nos convenceria deste como um excepcional exercício de verdadeiro horror psicológico, em que acompanhando a protagonista não temos nunca certezas da sua confiabilidade, rapidamente mergulha num comum thriller, que larga as suas mais arrojadas ideias em favor de um previsível jogo de predador e presa, com desculpas esfarrapadas para justificar eventos e motivações das personagens em questão.

É uma morte súbita e algo surpreendente encerrando o segundo acto e oferecendo uma nova contextualização aos eventos posteriores, que transforma o restante filme em algo tão esquecível. Podia ao menos o próprio desconhecimento da tecnologia por trás da capacidade do perseguidor servir ainda mais o mistério dos eventos e uma constante destreza (cinemática) para quebrar a ilusão, mas por não confiar na aceitação do conceito pelo seu público vê-se o filme necessitado de demonstrar pormenores desnecessários.

Mas mesmo que o terceiro acto se assumisse como tal escapatória ao mais mental exercício inicial, podia a conclusão ter regressado à matriz do filme, conseguindo ela escapar ao controlo no final, para apenas esse controlo se continuar a apresentar psicologicamente no seu contínuo receio para lá dos eventos enquadrados pelo filme. Tornar-se-ia a invisibilidade simbólica, eterno receio, numa constante prisão da qual a protagonista não mais conseguiria escapar, sempre duvidosa. Seria um final mais sombrio, mas por isso mesmo talvez mais apropriado ao exercício aparente na execução do acto primeiro.

E ficando, ainda assim, a interessante forma como a protagonista vira o jogo de perseguição contra o original manipulador – aproveitando-se da única fraqueza deste (por sinal, emocional, contrariando a sua aparente total sociopatia) para obter a vantagem e renovado controlo sobre ele e, assim, sobre a sua vida –, fica o final bem aquém de um mais elaborado aproveitamento de temas tão mais aterrorizantes que os poucos e fracos sustos que povoam a narrativa. Talvez nas mãos de um realizador mais interessado pudessem estes emergir para lá da intangibilidade.



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