domingo, 3 de maio de 2009

Linha de Passe, por Carlos Antunes


Título original: Linha de Passe
Realização: Walter Salles e Daniela Thomas
Argumento: George Moura e Daniela Thomas
Elenco: Sandra Corveloni, João Baldasserini, Vinícius de Oliveira e José Geraldo Rodrigues

O cinema brasileiro que ganha alguma notoriedade e chega ao nosso mercado está, há muito, preso por convenções que parecem reduzir a margem de manobra deste cinema.
A primeira e mais duradoura é a da narrativa telenovelesca que o próprio Walter Salles tratou de legitimar com o seu Central do Brasil, perpetuando-se até ao presente.
A segunda deu-se com a reinvenção visual e com a reinterpretação enérgica dessa mesma narrativa telenovelesca com Cidade de Deus, que cruzando histórias e filmando-as com acrescida agilidade acabou por tentar disfarçar a fragilidade da sua falta de ideias.


Agora com Linha de Passe, o modelo mostra-se esgotado.
Walter Salles volta a tomar nas suas mãos destinos predeterminados - contrariamente ao que a frase promocional do filme quer fazer crer - das suas personagens.
Neste caso, uma mão cheia delas, uma mãe e os seus quatro filhos, todos eles vivendo vidas incompletas mas ainda esperançosos, cujo dramatismo se reduz a um simplismo previsível.


Todas estas vidas correm paralelas e intersectam-se num espaço comum, do perturbado núcleo familiar, afectando-se mutuamente apenas o suficiente para justificar que se tratam de vidas com esse tal espaço comum, mas que na prática poderiam existir ao largo umas das outras que o efeito seria o mesmo.
Só que esse distanciamento não se fica a dever a uma alienação social do sentido de família - causado, por exemplo, pela falta da figura paterna ou dos ressentimentos entre os irmãos - mas antes pela simples necessidade de mostrar a multiplicidade de condições do indivíduo brasileiro.
Como se esta família fosse o resumo breve e explícito do que é o Brasil.


Walter Salles e Daniela Thomas filmam tudo isto com a inspiração que Cidade de Deus imputou ao cinema brasileiro mas guardando a mesma melancolia que já se sentia nas outras obras brasileiras de Salles.
Isso resulta num ritmo intermitente, sempre prestes a arrancar mas sempre em queda.
Pior, resulta num final que, em aberto, sugere a possibilidade de mudança, de concretização do destino feito à força da própria determinação. Sugere sem dizer realmente nada.
Confunde-se a narrativa aberta com a simples não revelação do resultado eminente (e evidente, lá está) daquelas pequenas narrativas, que seguiram sempre em frente, deterministicamente.


O modelo esgota-se em si mesmo, aqui deixando-se seguir sem promover verdadeiramente nada, excepto ocorrências permanentes de vidas condicionadas.
Ora excitantes, ora melancólicas, são vidas sem espaços de dúvida.
Uma novela em formato de filme, mais uma vez.


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