segunda-feira, 15 de junho de 2009

Star Trek, por Carlos Antunes


Título original: Star Trek
Realização: J.J. Abrams
Argumento: Roberto Orci e Alex Kurtzman
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Leonard Nimoy, Eric Bana, Simon Pegg e Winona Ryder

Não sou um Trekker, embora durante anos a fio tenha acompanhado com um gosto mais do que vulgar as aventuras de Kirk, Picard, Sisko e Janeway.
Depois perdi o contacto com a série de Space Opera que sempre equilibrou bem a sua busca - científica e filosófica - no seio da última fronteira com o romance fechado no espaço daquela nave.


Agora, ao retomar contacto com o filme de Abrams, aquilo que primeiro senti foi um gosto honesto pela inteligência com que ele traiu a série sendo fiel ao seu espírito de inventividade.
Como foi piscando o olho a quem já conhecia as personagens mas criando espaço para relançar quase do zero um franchise que poderá agora render nos cinemas as quantias que sempre se esperaram.
Mas esse gosto não foi suficiente senão para trazer de volta um saudosismo pelas tardes passadas em casa da minha avó a ver a série original.


Afinal de contas, a série sempre se pautou por arrojos de imaginação e uma história envolvendo perturbações temporais geradas por buracos negros (um termo que quase foi cunhado pela série) levando a uma nova realidade e cruzando o novo com o velho Spock não cai longe disso mesmo.
Não é nunca fácil manter uma história sobre tal tema dentro de uma razoabilidade lógica e se tal parece acontecer aqui é porque lhe incutem uma refinada ironia cool que leva Spock, na sua aparição envelhecida que rouba o ecrã com o talento de Leonard Nimoy, a aldrabar Kirk enquanto ao mesmo tempo oferece a Scott a fórmula que lhe faz falta, desde que isso sirva para acelerar os efeitos necessários àquela linha temporal e aos seus objectivos.


Para lá disso, o que sobra verdadeiramente são breves apontamentos sobre os primeiros encontros de algumas figuras que, se não lhe forem já familiares, parecerão pouco mais que piadas.
Isto porque os personagens atravessam o filme em modo funcional, anonimamente lançando one-liners quando lhes é pedido.
As excepções são Uhura e Kirk, que mais substancialmente podem representar os seus papeís formatados de femininista maternal e rebelde sem causa a esconder a genialidade.
E, claro, Spock, interpretado por um Zachary Quinto que parece talhado para o papel, de uma inexpressividade carregada de magnetismo e com emoções palpáveis logo abaixo dessa superfícia fria (o que, no fundo, é a evolução da sua inexpressiva mas desinteressante personagem em Heroes).


Olhando o resto do filme, vemos que Abrams não faz mais do que voltar aos seus lugares de conforto (embora não necessariamente de talento), a acção a ritmo imparável, reduzida a uma escala humana que não faz sentido num filme que tem como trama a perseguição entre duas naves.
Passa-se para lutas corpo a corpo e banaliza-se um cenário de ficção científica que pedia detalhes e imaginação para lá do habitual espectáculo pirotécnico.
O Espaço como espaço de ficção vê-se reduzido e nem as naves ou os buracos negros são convenientemente aproveitados em película.
Acredita-se que a genérica - como se constata no final - trama de viagens no tempo chega como símbolo da ficção científica que é a matriz de Star Trek.


Há um desgosto nisso mesmo, de que aquilo que fazia Star Trek elevar-se para lá da mera novela televisiva fique assim esquecida, embalada numa FC que se quer apenas espectacular e não especulativa.
Esse desgosto faz depois sobressair outro problema, que um "filme de origem" tenha uma trama que tão ricamente sugestiva desaproveitada sem que, no final, nos sirva uma verdadeira dose de personagens plenas é, afinal de contas, um falhanço.
Mesmo com boas cenas de acção, mesmo com inventividade.
Não um falhanço total, mas um falhanço ainda assim.


Star Trek andou perto de ser uma grande obra, apesar de alguns defeitos que lhe seriam inerentes, mas não logrou lá chegar.
Mas não há desapontamento que apague o bom entretenimento que aqui temos e que, queiramos ou não, marca o ano cinematográfico.
Um falhanço que ainda assim dá gosto, portanto.



8 comentários:

  1. Concordo plenamente com a classificação que deste. E a crítica está devidamente bem fundamentada. Muito boa.

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  2. Percebo o por quê de chegares às três estrelas... mas continuo a discordar. Star Trek é um blockbuster de entretenimento por excelência. E nessa categoria é o melhor que temos visto nos últimos anos. O JJ Abrams (não, dei atenão ao Lost, mas acho que ele percebe verdadeiramente de entretenimento) conseguiu captar a essência da série, sem desiludir os trekkies (fãs muito acérrimos, como bem se sabe), conseguiu atraiar quem não liga ao Star Trek e ainda foi capaz de fazer um filme atractivo para pessoas que nunca ligaram a sci-fi. Era virtualmente impossível, mas ele conseguiu captar a essência da obra e dar-lhe uma dimensão bem acessível, sem nunca a desvirtuar. É entretenimento de qualidade, o que dá ao filme a tal dimensão cinematográfica da fantasia e da ilusão. O Zachary Quinto conseguiu ser o Spock com o próprio Spock no ecrã - na devida proporção, era como o Robert Downey Jr. ter feito de Charlot ao lado de Charlie Chaplin. E há pouca coisa mais intimidante para um actor do que interpretar uma personagem que pertence, por completo, a outro actor.
    E o Eric Bana estava irreconhecível - o que era difícil para um actor como ele, às vezes demasiado igual a si próprio.
    Percebo totalmente a lógica da tua crítica, mas acho que este Star Trek merece ainda mais valor, especialmente por ser num ano em que de blockbusters tivemos o Terminator 4 (esse sim, só fogo de artifício) e o Wolverine (de uma pobreza desconcertatne)... e pouco mais.
    [sorry o tamanho do texto]

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  3. P., com o devido tempo responder-te-ei.
    Mas não tens de pedir desculpa, dá gosto falar com outras pessoas desta forma.

    Um abraço!

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  4. "Percebo o por quê de chegares às três estrelas... mas continuo a discordar. Star Trek é um blockbuster de entretenimento por excelência. E nessa categoria é o melhor que temos visto nos últimos anos."
    É bem possível que isso seja verdade. No entanto não impede que seja, a um certo nível, falhado. Eu gostei do filme, entreteve-me, mas a FC é, no fundamental, pouco arrojada e, sem dúvida nenhuma, que o filme aspira a um pouco mais do que entretenimento descomprometido.
    Assim sendo, não posso avaliá-lo senão com a mesma elevação de intenções.


    O JJ Abrams (não, dei atenão ao Lost, mas acho que ele percebe verdadeiramente de entretenimento) conseguiu captar a essência da série, sem desiludir os trekkies (fãs muito acérrimos, como bem se sabe), conseguiu atraiar quem não liga ao Star Trek e ainda foi capaz de fazer um filme atractivo para pessoas que nunca ligaram a sci-fi. Era virtualmente impossível, mas ele conseguiu captar a essência da obra e dar-lhe uma dimensão bem acessível, sem nunca a desvirtuar.
    Do talento do Abrams, continuo a duvidar fortemente.
    MIII anda perto do lixo, Cloverfield (que apenas produziu é certo) idem.
    Na TV, claro, o homem acerta sempre (ou quase).
    Mas sobre este Star Trek, a verdade é que tem dividido opiniões entre os Trekkers e se há algo que fez foi, não atraiçoar, mas esquecer a essência de comentário socio-político que a série sempre teve.
    Afinal de contas foi em ST que se deu o primeiro beijo interracial da TV!


    É entretenimento de qualidade, o que dá ao filme a tal dimensão cinematográfica da fantasia e da ilusão. O Zachary Quinto conseguiu ser o Spock com o próprio Spock no ecrã - na devida proporção, era como o Robert Downey Jr. ter feito de Charlot ao lado de Charlie Chaplin. E há pouca coisa mais intimidante para um actor do que interpretar uma personagem que pertence, por completo, a outro actor.
    Nota que gostei da interpretação dele. Se calhar ficou pouco explítico e lamento-o.
    No entanto não irei aclamar já o rapaz pois entre este papel e o de Heroes a única diferença que vejo é a forma como ganhou aura impositiva.
    E em Heroes é uma personagem falhada.
    Representar sistematicamente falta de emoção não diz completamente do talento dele.


    E o Eric Bana estava irreconhecível - o que era difícil para um actor como ele, às vezes demasiado igual a si próprio.
    Mas, na essência, não passa de um secundário anónimo.

    Percebo totalmente a lógica da tua crítica, mas acho que este Star Trek merece ainda mais valor, especialmente por ser num ano em que de blockbusters tivemos o Terminator 4 (esse sim, só fogo de artifício) e o Wolverine (de uma pobreza desconcertatne)... e pouco mais.
    Concordo com o que disseste de se destacar entre a pobreza dominante. No entanto, um filme não vale pelo que o rodeia, mas sempre e somente por si mesmo, ainda que qualquer tipo de comparação possa ser feita.


    Um abraço e volta sempre!

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  5. É verdade que os gostos nao se discutem, mas pelos vistos o povo anglo saxonico discorda completamente, para além de ser o filme mais visto do ano nos USA:
    http://www.boxofficemojo.com/yearly/chart/?yr=2009&p=.htm
    e o terçeiro a nivel internacional:
    http://www.boxofficemojo.com/yearly/chart/?view2=worldwide&yr=2009&p=.htm

    Teve até ao momento 85% de A na avaliação do publico (a secunda melhor de todos os tempos). Mas é verdade que o publico nem sempre é o melhor apreciador dum filme, mas a critica não lhe ficou atrás com criticas maximas na maior parte das revistas de cinema, vejam os nossos amigos ingleses que são considerados bastante cultos comparados com os americanos:
    http://www.screenrush.co.uk/film/revuedepresse_gen_cfilm=114887.html

    Por fim deixo aqui um comentario dum critico do Times: "A film that slaps your expectations around with surprise after surprise, leaving you shaking your head in disbelief that a Star Trek film could be this good."

    PS: acho que mais uma vez o povo português passou ao lado dum marco do cinema, muito por causa de ideias feitas :(

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  6. É verdade que os gostos nao se discutem, mas pelos vistos o povo anglo saxonico discorda completamente, para além de ser o filme mais visto do ano nos USA:
    http://www.boxofficemojo.com/yearly/chart/?yr=2009&p=.htm
    e o terçeiro a nivel internacional:
    http://www.boxofficemojo.com/yearly/chart/?view2=worldwide&yr=2009&p=.htm
    Ainda bem que vêm o filme. Isso é, acima de tudo, o melhor sinal de todos, que ainda há quem vá à sala de cinema.


    Teve até ao momento 85% de A na avaliação do publico (a secunda melhor de todos os tempos). Mas é verdade que o publico nem sempre é o melhor apreciador dum filme, mas a critica não lhe ficou atrás com criticas maximas na maior parte das revistas de cinema, vejam os nossos amigos ingleses que são considerados bastante cultos comparados com os americanos:
    http://www.screenrush.co.uk/film/revuedepresse_gen_cfilm=114887.html

    Por fim deixo aqui um comentario dum critico do Times: "A film that slaps your expectations around with surprise after surprise, leaving you shaking your head in disbelief that a Star Trek film could be this good."
    Os ingleses bastante mais cultos do que os americanos?
    Acho que a crítica especializada tem maior influência do lado de lá do Atlântico à medida que em França esta se desvanece.
    Quanto aos ingleses, poucos são aqueles que me recordo de ler regularmente.
    Mas pode ser pecha minha.
    De qualquer forma, a crítica estará sempre à vontade para escrever o que lhe parecer melhor, desde que proporcione um bom debate.
    Mas convem o público entrar nesse debate de forma informada e capaz.



    PS: acho que mais uma vez o povo português passou ao lado dum marco do cinema, muito por causa de ideias feitas :(
    Um marco do cinema é exagero, parece-me.
    Estamos num tempo em que são muitos os filmes subitamente elevados a obras-primas.
    Seja The Dark Knight ou Star Trek ou qualquer dos filmes indies que pululam por aí, a verdade é que importa reflectir que papel têm perante a história do Cinema até aqui e daqui para o futuro.

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  7. Apenas referi os ingleses, para não me cingir apenas aos Americanos, porque claro o filme também teve excelentes críticas do outro lado do atlântico! E insisti no público anglo-saxonico, porque se analisarmos o sucesso internacional do filme Star Trek, chega-se a conclusão que foi essencialmente nos país anglo-saxonicos (USA, England, Austrália, etc…) que teve o seu maior impacto.

    Não me posso considerar um crítico, mas apenas faço parte dum público que vai regularmente ao cinema e aprecia um bom filme, mas como investigador aprendi a ler e ter em conta a opinião dos outros, para fundamentar minhas afirmações, por isso referi a extraordinária percentagem de críticas favoráveis.

    Mas acima de tudo o que vinha criticar em relação a Portugal foi a falta de criticas e quase inexistência de promoção do filme, comparando com nulidades como “Anjos e Demónios”, que até nos noticiários era promovido! :(
    Daí minha afirmação que o povo português passou ao lado dum marco do cinema, poderia não concordar comigo, não apreciar o filme, mas ao menos teria a noção da sua existência!

    Quanto ao filme em si, sou alguém que assistiu a estreia no cinema do primeiro “Star Wars” em 1978, estive nos estados unidos em 1998 na estreia do “Matrix”, e com este “Star trek”, voltei a sentir o sonho e encanto que pensava estar perdido neste actual mundo voltado para o comercial e superficial.

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  8. Peço desculpa pelos anos dos filmes, mas fiei-me apenas nas minhas recordações, ao final o "Star wars" foi em 1977 e o "Matrix" em 1999, mas lembro-me bem do mês, maio, tal como o "Star trek", será apenas coincidencia :)

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