Paranoid Park, por Carlos Antunes

Título original: Paranoid Park
Realização: Gus Van Sant
Argumento: Gus Van Sant
Elenco: Gabe Nevins, Taylor Momsen, Lauren McKinney, Winfield Jackson e Daniel Liu

A culpa pode ser onírica.

Numa noite iniciada no parque de skates Paranoid Park, Alex acaba por ceder ao desafio de ir saltar para comboios em andamento.
Quando um segurança o confronta, ele acaba por se defender e num terrível acidente, o segurança acaba morto.
O que vemos depois é o relato da sua vida imediata pela sua própria mão.

O filme é sobretudo um testemunho da insustentabilidade da culpa. A confissão possível é feita a um caderno.
É dirigida a uma amiga mas não é para ninguém senão ele mesmo.

A memória e a confissão são como um sonho, entrelaçado em si mesmo, difuso no tempo.
Por isso ele não saberá nunca dizer se houve intencionalidade, se foi um acto de legítima-defesa ou um impulso violento.
Por isso ele se havia esquecido do que fizera até que a polícia o confronta com as fotos do cadáver.

Então a culpa volta a assomá-lo, a persegui-lo de tal forma que ele a transporta para uma realidade física. Quando o polícia vem pela segunda vez à escola ele sente que o cerco se aperta sobre ele, olha constantemente por cima do ombro, mas não está lá realmente ninguém.
O fantasma da própria consciência acabará por se desvanecer, numa hipótese ainda incerta de redenção ou, pelo menos, de desvanecimento.

Certamente é o resultado da juventude, da forma mais desprendida de encarar o mundo, da alienação.
A juventude permite ainda essa segunda oportunidade ou força-a por conveniência própria? O mundo pode exigir-lhe alguma coisa?
Quando ele compra um skate é simplesmente para encobrir o facto de se ter livrado do que anteriormente serviu de arma ou apenas porque a existência parece não fazer sentido sem aquele objecto de liberdade?
Quando ele acaba com a namorada que a ele se entregou é por estar preocupado com um futuro na prisão ou simplesmente porque não está disposto a sacrificar a sua juventude a uma relação séria?

Gus Van Sant, cada vez mais depurado e perfeito, leva essa incerteza, esse onirismo ao limite.
Dando às personagens a liberdade dos momentos mais banais, despojando-as do ruído externo e concedendo-lhes uma banda sonora da vida, ele consegue ir tornando mais e mais difusas as fronteiras entre a realidade e o sonho, entre o que está lá e o que é sentimento fantasmagórico.
Um filme simplesmente magnífico e hipnotizante.

Publicado originalmente a 11 de Janeiro de 2008.