Título original: Antichrist (2009)
Realização: Lars von Trier
Argumento: Lars von Trier
Elenco: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Anticristo é um desses poucos filmes. Fora a sua natureza chocante que se tornou alvo de várias críticas exacerbadas, inclusive uma não-recomendação do Júri Ecuménico do Festival de Cannes deste ano, o filme deve ser avaliado como algo mais. O último filme de Lars von Trier centra-se obviamente na polémica, afinal toda a sua filmografia caracteriza-se por esse efeito, mas seguramente não é essa polémica que faz o filme.
Mesmo no belíssimo prólogo, quase idílico, Lars von Trier consegue iludir o espectador, confrontando-o entre a beleza do preto e branco em slow-motion, ao som de “Lascia ch’io pianga”, interpretado Tuva Semmingsen e a catástrofe familiar que ocorre simultaneamente. A lente do cineasta ultrapassa todas as barreiras convencionais, onde tanto convergem noções cruas e brutais, como de beleza artística. Em Anticristo, o realizador utiliza o habitual sistema de divisão por capítulos, mas desta vez aborda uma viagem kármica, num questionamento da natureza humana. As imagens fortes e chocantes – são todas elas justificadas – servem para rematar o processo de luto, catalisador da dor e consequente insanidade e sadismo.
As interpretações soberbas são, também elas, contrastantes. A personagem William Dafoe, de sua natureza fria e, de início, brutal, contrasta com a de Charlotte Gainsbourg, inicialmente passiva, mas por fim sádica. É inclusive este desempenho feminino que merece o maior destaque, tornando-se o papel de uma vida para a actriz, mas também uma das mulheres mais fortes da filmografia do cineasta.
Tecnicamente, o cineasta abandona de uma vez por todas o Dogma 95, para utilizar todos os recursos à sua disposição para criar uma obra de arte maior. A cinematografia de Anthony Dod Mantle é das mais líricas que temos visto, superior às técnicas utilizadas em Dogville (2003) e Manderlay (2005).
Por fim, as respostas estão contidas na Natureza. Tanto a animal, como a vegetal. A Natureza é a Igreja de Satanás. É a natureza humana, da dor ao caos, os três mendigos personificadores do Mal. Anticristo é visceral nessa conclusão, num distúrbio de sentimentos divergentes, que sem chegar a uma resposta concisa, permite ao espectador o seu auto-exame, a procura de uma resposta maior e transcendente. Uma convulsão artística que resulta num dos melhores filmes dos últimos anos.
Esta foi, provavelmente, a crítica que mais gostei de ler com a tua assinatura. Se já estava na ânsia de ver o filme, agora ainda mais. Aguçaste-me a curiosidade.
ResponderEliminarEspero partilhar do mesmo fascínio pelo filme, em breve.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Roberto F. A. Simões,
ResponderEliminarMuito obrigado. Fico contente e espero que realmente acabes por ver o filme com o mesmo olhar que eu tive sobre ele.
Boa critica! Fico à espera ainda com mais expectativa pelo filme. ;)
ResponderEliminarEstou com o Roberto. Chega a ser revoltante ter de esperar por ele!
ResponderEliminarAbraço!
O filme é deveras interessante, estão lá todas as marcas de Von Trier...
ResponderEliminarConsidero este filme como a melhor obra de Lars Von Trier embora um pouco masoquista não o considero do género de Terror...
Abraço
http://nekascw.blogspot.com/
Sérgio Rodrigues,
ResponderEliminarObrigado mais uma vez. E acredita que a espera vai valer a pena.
Jackson,
Tens toda a razão. Ainda para mais, um filme que tinha estreia prevista para Outubro. De momento, só por actividades ilícitas ou (e felizmente!) como foi exibido no Estoril Film Festival!
Nekas,
Estão todas as marcas do cineasta, mas em Antichrist supera-as. Não é claramente um filme de terror. É completamente transcendente a isso, nem se resume a um mero rótulo...
Uma obra-prima absoluta. Convém mesmo não esquecer que o filme é dedicado a Tarkovski - sendo influenciado grandemente por ele.
ResponderEliminarUma obra-prima absoluta. Convém mesmo não esquecer que o filme é dedicado a Tarkovski - sendo influenciado grandemente por ele.
ResponderEliminarInfelizmente tenho de discordar, e ninguém queria gostar mais deste filme do que eu. Acho o filme absolutamente inconsequente, e a utilização do explícito e da violência visual extrema é absolutamente gratuita e - mais uma vez, discordando - orfã de qualquer justificação ou meta-função. Ainda assim, o que mais me desagradou neste filme foram as constante introduções de elementos estranhos que, supostamente, teriam uma qualquer significância simbólica. O resultado deste esforço é um redondo falhanço, as referências são demasiado obscuras e tudo acaba por emanar uma presunção e uma arrogância intelectual de um realizador que parece querer esfregar-nos na cara que há ali uma tonelada de referências literárias, mitológico-pagãs e religiosas que o espectador não vai nunca perceber. Não é ambiguidade, é pura alienação.
ResponderEliminarVi recentemente o filme e ainda tenho diculdades em exprimir-me sobre ele. Mais uma vez, gostei imenso de ler a tua critica, mas esta, particularmente. Acho que consigo rever a minha opinião (ainda em 'construção') nas tuas palavras, e como tu mesmo dizes, o filme é 'distúrbio de sentimentos divergentes, que sem chegar a uma resposta concisa, permite ao espectador o seu auto-exame, a procura de uma resposta maior e transcendente'.
ResponderEliminarParabéns pela critica!
Parabéns, um dos melhores e mais lúcidos comentários que já li sobre este portentoso filme.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo comentário e pela visita. Espero que volte.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo comentário e pela visita. Espero que volte.
ResponderEliminarJá vi o filme, como sabes. E dou-te total razão em cada uma das tuas inspiradas frases. Genial, Sublime, Obra-prima absoluta. 5*
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
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