segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Estrada, por Tiago Ramos



Título original: The Road (2009)
Realização: John Hillcoat
Argumento: Joe Penhall e Cormac McCarthy
Elenco: Viggo Mortensen, Kodi Smit-McPhee e Charlize Theron

Esta estrada que se nos apresenta perante os nossos olhos é longa e negra. Nesta estrada não há esperança – há a certeza do desespero e do fim. Nesta estrada não se vive – sobrevive-se. Nesta estrada, seres humanos há poucos. Há seres, mas selvagens, há impiedade. O mundo, à sua roda, deixou de existir. O mundo mantém-se moribundo, decadente, espectador do seu próprio fim. Não reage, não se regenera, apenas se revolve na sua própria destruição, nas suas cinzas. Não se vê mais que o cinzento – o mundo é cinzento. Mas o futuro é negro e a esperança – tal como a Terra – há muito que deixou de ser verde.


Cormac McCarthy entrega-nos um retrato peculiar de um mundo pós-apocalíptico. Ninguém sabe o que aconteceu, como aconteceu, quem sobreviveu. Apenas sabe-se que aconteceu e não precisamos de mais. Porque tudo é tão realista, tão sufocante que não perguntamos por mais, que nem queremos saber, que tentamos passar ao lado da origem e lutar contra o nosso próprio sentimento de culpa de, talvez quem sabe, tenhamos sido nós a provocar este colapso, o Armagedão. A agitação na verdade não é muita. Ninguém sabe porquê. Talvez porque já não restem muitos. Talvez porque não há nada a fazer, o que existe é apenas resignação. Sem panos quentes, Joe Penhall escreve o argumento com a calma necessária – apenas a motivação humana, a relação pai-filho, em preterimento da destruição e da violência.

É este sentimento agonizante, de “murro no estômago”, que faz de A Estrada um grande filme – que se apresenta com semelhanças a O Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago e Blindness, de Fernando Meirelles. A cegueira é a mesma. As pessoas estão cegas pela sobrevivência, cegas pela sua protecção – às vezes tão cegas, que quase irracionais. As personagens de ambos os livros/filmes não interessam, não são importantes. Num mundo colapsado para que servem os nomes? O que interessa é o ser humano por si próprio.



Viggo Mortensen é o filme. A par dos cenários, é ele que carrega às costas o fardo do fim do mundo. Um grande actor, subtil, nunca excessivamente dramático, mas com uma entrega total. Olhamos para ele e acreditamos que luta pela vida, sentimos a sua angústia. Kodi Smit-McPhee é uma pequena revelação, um diamante em bruto, com muito para aprender, mas convincente no seu desempenho. Também Charlize Theron, nas suas curtas aparições, espelha bem o desespero e garante dos momentos mais comoventes do filme.

Tecnicamente o filme é excelente, passando pela fotografia cinzenta de Javier Aguirresarobe (Vicky Cristina Barcelona), os cenários de Robert Greenfield (Cloverfield) até à banda sonora de Nick Cave e Warren Ellis.



The Road não é um filme fácil, não é para estômagos fracos. Porque dá-nos socos e nós limitamo-nos a aceitá-los, como se arcássemos com o mesmo fardo que as personagens, como se a nossa estrada também não tivesse fim. A dada altura, talvez pedíssemos um argumento menos linear – uma explicação para tal apocalipse. Mas isso, nunca nos é dado. E nós limitamo-nos a esperar, angustiados. Angustiados. E nada mais.

Classificação:

7 comentários:

  1. Confesso que, actualmente, é uma aposta que não me suscita grande interesse, mesmo depois de todos os aplausos que tem recebido.

    Abraço!

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  2. Acredita em mim, o livro é superior. E ias gostar, certamente, imenso de o ler, por investir mais nos diálogos pai/filho. Há, contudo, uma frase logo no início do filme retirada do romance que resume bem o amor entre os dois: "se ele não é a palavra de Deus, então Ele nunca falou". Brilhante. Mas enfim, foi, talvez, por causa disso que não consegui sentir genuinamente o filme, por saber o que viria a seguir (aliás, é uma adaptação bastante fiel). Não deixa, contudo, de atingir a excelência técnica e narrativa desejável.

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  3. Acredito realmente que sim. E espero bem que sim. Mas o filme The Road não surpreende. O que vai acontecer a seguir é o menos importante, não é feito para surpreender. O que interessa é o momento.

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  4. The Road é muito mais que uma história pós-apocalíptica é mais uma história familiar onde se demonstra os riscos que se tem de forma a manter a família feliz, um exemplo a seguir. E não é um blockbuster, aliás, foge completamente a esses panoramas possuindo soberbas interpretações e uma extaordinária banda-sonora.



    Abraço
    Cinema as my World

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  5. Boa crítica, adorei este filme e descreveste mm bem o que senti ao vê-lo ;)

    Parabéns pelo vosso blog, estou a ficar fã :D e beijinhos para a Cartaxo*

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  6. Obrigada. :) É realmente um filme com uma mensagem muito forte.
    Continua a passar por aqui. :) Os beijos serão entregues.

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