Muito há a dizer acerca do episódio "LA X", que inaugurou a última temporada de LOST. Na sequência do nosso resumo do episódio, exploramos hoje mais a fundo a nova história que nos foi apresentada para iniciar o último capítulo da série.
Uma Estranha Realidade
"Uma Estranha Realidade" é o título em Português do livro de Carlos Castaneda que o Ben empresta em criança ao Sayid, quando este se encontra preso pela Dharma Initiative. Embora o livro seja centrado na descoberta de novas percepções da realidade através do uso de substâncias psicotrópicas, não deixa de ser agora evidente a segunda intenção em mostrar este livro na série, quando o seu título em Inglês é "A Separate Reality".
Daniel Faraday ensinou uma lei fundamental das viagens no tempo nesta série: "O que aconteceu, aconteceu". Com os personagens perdidos no passado da Ilha, assistimos durante a quinta temporada a várias tentativas falhadas de alterar o curso da História, até que o plano de utilizar a energia nuclear da Jughead para neutralizar a energia concentrada no local da Swan foi posto em marcha.
O ditado de Faraday manteve-se verdadeiro: o que já tinha acontecido, realmente aconteceu. Os personagens regressaram ao seu tempo, o seu passado permaneceu inalterado. No entanto, a explosão em 1977 criou uma nova linha no tempo, onde o plano resultou. Presumivelmente, a Swan não chegou a ser construída. A única informação concreta que temos é que, entre 1977 e 2004, algo fez com que a Ilha se afundasse no oceano, pelo que o voo Oceanic 815 a sobrevoou com segurança.
Aquilo com que Jack não estava a contar, no entanto, é que uma alteração dramática na Ilha como esta, feita em 1977, acabaria por causar impacto também no mundo exterior ao longo das 3 décadas. Não foi apenas alterado o destino do voo. Durante 30 anos, pequenas e grandes diferenças modificaram a história dos personagens nesta nova realidade, em relação ao que conhecemos na realidade original.
Paralelismos e Antagonismos
A abertura do episódio introduz-nos imediatamente esta nova realidade. Estamos no voo 815 e acompanhamos Jack a partir do momento em que sobrevoa a área de influência da Ilha. A expressão do Jack é a primeira coisa que nos indica que algo está estranho. Como se ele o sentisse. Será o dejá-vu uma indicação de algo importante que acontece numa realidade "próxima" daquela em que vivemos? O vídeo seguinte mostra, em split screen, o momento em que o avião entra na área de influência da Ilha nas duas realidades.
A primeira diferença é que a Cindy só lhe dá uma garrafa, em vez de duas. Desta vez, acaba por ser Rose a tranquilizar o Jack: "Pode largar agora, está tudo bem". Metaforicamente, o Jack do mundo original sempre teve dificuldade em se desapegar, largar ou deixar estar.
Ao mesmo tempo em duas realidades, Jack está ferido. No entanto, a profundidade do golpe é drasticamente diferente. No entanto, a ferida no Jack deste novo mundo vem dar ênfase àquela sensação de que algo está errado na nova timeline. Não deixa de ser só um pequeno golpe de quem se apressou a cortar a barba.
Por coincidência, desta vez Desmond vai no avião. Com a Ilha submersa, é natural que ele nunca lá tenha ido parar. No seu dedo traz uma alinça, podendo indicar que ele esteja casado (esperemos) com a Penny. Jack pensa reconhecê-lo, mas Desmond não o reconhece. Na realidade original, é Desmond quem reconhece o Jack ao vê-lo na Swan. Terá existido algum encontro entre eles no estádio, nesta realidade? Ou será esta mais uma sensação de algo estranho?
Kate demonstra um certo interesse em Jack, ao vê-lo pela primeira vez. Em ambas as realidades, parece ser um sentimento genuíno mas, nesta, Kate está de facto a tentar tirar-lhe uma caneta do casaco. Mais tarde, James mostra-se interessado ao ver Kate pela primeira vez, mas ela retribui com indiferença.
Arzt é inconveniente em qualquer realidade que esteja. Na nova realidade, traz consigo um folheto sobre insectos venenosos. No mundo original, a sua colecção de insectos é indirectamente responsável pela morte de Paulo e Nikki. Ao encontrar o Hurley na nova realidade, pede-lhe que imite o anúncio do seu restaurante na televisão:
Hurley considera-se o homem mais sortudo do mundo. Os números estavam escritos na entrada da Swan, que acabou por nunca ser construída. Neutralizada a energia que era contida pelos números inseridos no computador, terá o azar do Hurley sido invertido? James alerta-o que as pessoas se podem aproveitar dele. Estará ele a dar um conselho sincero, ou à procura de uma oportunidade para o explorar?
Neste mundo, Shannon ficou na Austrália e, por isso, Boone já não viaja em primeira classe. Vai sentado na mesma fila que o Locke, que lhe conta ter estado numa caminhada australiana. Impressionado, Boone diz ao Locke que, se o avião cair, irá manter-se do lado dele. É irónico pois, no mundo original, é precisamente isso que acontece, e com um resultado pouco feliz para o Boone. Curiosidade: Frogurt estava sentado entre eles, a dormir.
No avião, Sun está deslumbrada com o relacionamento entre a Rose e o Bernard. A relação entre ela e o Jin parece, de facto, idêntica à que tinham no mundo original. Já no aeroporto, não lhes conseguimos ver as alianças, apenas Sun tem o que aparenta ser um anel de noivado. Sun diz não falar Inglês, mas não sabemos se estará ou não a dizer a verdade.
No aeroporto, Kate tenta usar a caneta que roubou do Jack para tirar as algemas mas, ao ver-se sem tempo, opta por agredir o Marshal Edward, empurrando-o contra o balcão e ferindo-o no mesmo local onde, no mundo original, foi ferido por uma mala que lhe cai em cima durante o acidente do avião. Com a pressa, Kate deixa a mala metálica junto ao Marshal. Já na outra realidade, está bastante preocupada em recuperar a mala depois do acidente, onde tem uma miniatura de um avião que lhe faz lembrar um amigo de infância. Será que, neste mundo, a mala já não transporta nada importante?
Na sua fuga, Kate é ajudada pelo James após entrarem no mesmo elevador. Dois seguranças entram e ouvem o código "3-41". O que estranhei neste código foi precisamente não serem "os números" e, mais curioso ainda, serem ambos um dígito abaixo de "4-42". Novos números? De seguida, Kate acaba por entrar no mesmo táxi que a Claire, mas não temos oportunidade de ver se esta estará grávida.
Jack e Locke
Depois de todos estes paralelismos e diferenças entre as duas realidades, é-nos mostrado aquele que pode ser um ponto chave para o resto da série. Por algum motivo, o caixão que transportava o pai do Jack perdeu-se. Sendo o Christian um dos maiores mistérios por resolver na realidade original, é difícil acreditar que este foi apenas um erro logístico da Oceanic Airlines. Mais difícil se torna acreditar que foi por mera coincidência que as facas do Locke também tenham desaparecido.
Coincidência ou obra do destino, as vidas destes personagens acabam sempre por se interligar. Locke conforta o Jack, dizendo-lhe que a Oceanic não tem maneira de saber onde está o Christian, apenas perderam o corpo dele. Se noutro mundo qualquer o Jack teria ridicularizado este comentário, aqui Jack aceita-o como um gesto simpático, uma condolência de um simpático desconhecido. A cadeira de rodas desperta-lhe o interesse.
Quando Locke lhe diz que a sua condição é irreversível, Jack responde que nada é irreversível. E se Jack o diz com os seus conhecimentos médicos, nós recebemos essa frase com a carga de um confronto que acompanhamos há cinco temporadas entre dois homens que, nesta realidade, acabam de iniciar uma potencial amizade. Quando Locke aceita o cartão do Jack, trocam um aperto de mão e um sorriso. Irá o Jack conseguir fazê-lo voltar a andar?
A Intersecção
Na realidade original, Juliet é encontrada pelo James, que a tenta salvar dos escombros. Juliet está consciente e explica que detonou a bomba. No entanto, a sua mente parece viajar quando convida o James para tomar um café. Ele tenta trazê-la de volta, dizendo "sou eu". Juliet parece reconfortada e pede-lhe um beijo.
Estas últimas palavras estabelecem um paralelismo interessante com a morte da Charlotte. As viagens no tempo fizeram com que a sua mente perdesse a sua "âncora", navegando por vários momentos do seu passado. Antes de morrer, diz ao Faraday que não é autorizada a comer chocolate antes do jantar, as mesmas palavras que lhe tinha dito quando o viu em 1977.
Da mesma maneira, a mente da Juliet poderá ter saltado para a nova realidade criada, tendo assim uma visão do seu presente num outro mundo. Quando Desmond libertou a energia da Swan, teve a sua consciência projectada no passado. Juliet não só esteve exposta a esta energia, também detonou uma bomba de hidrogénio para a neutralizar. Se Juliet foi a responsável pela existência da nova realidade, será possível que também a tenha percepcionado? Tudo indica que sim, pois a coisa mais importante que ela tinha para dizer foi precisamente que "funcionou".
Tudo o que Sobe Deve Convergir
Para quem quiser conhecer melhor os princípios físicos e filosóficos por trás da existência de múltiplas realidades, recomendo esta entrada na Wikipedia sobre o Multiverso como ponto de partida [link]. Posto de forma mais simples, podemos ver isto como um caso de múltiplas dimensões: se durante a 5ª temporada, graças à energia da Ilha, os personagens se deslocaram na 4ª dimensão (entre diferentes pontos de uma linha temporal), o que vemos agora são duas linhas temporais diferentes. Caso a consciência da Juliet tenha realmente visto a nova realidade, então a combinação da energia nuclear com a energia da Ilha teria projectado a sua mente para outro ponto na 5ª dimensão, viajando entre diferentes timelines.
O vídeo acima é uma boa ilustração deste conceito, levando-o umas dimensões acima do que seria necessário para compreender as teorias por trás daquilo que vemos em LOST. No entanto, seria ingénuo acreditar que estas duas timelines são completamente independentes.
O livro de Flannery O'Connor, "Tudo o que Sobe Deve Convergir", é a leitura de eleição do Jacob enquanto aguarda que John Locke seja atirado do 8º andar de um prédio. O livro em questão explora as fraquezas humanas e várias questões morais, muitas vezes abordando cruelmente a temática da redenção humana. A temática principal é que, através da redenção, todos nos podemos elevar e todos os que se elevam convergem para o mesmo ponto.
Também os personagens da série se encontram numa jornada semelhante. É intuitivo pensar que, ao longo desta temporada final, teremos como temática principal a descoberta do caminho para a redenção de cada um deles, e quem nem todos a terão. E os que não a conseguem neste mundo, conseguirão numa outra realidade? Os sobreviventes do 815 tentaram anular o seu passado, mas uma série de coincidências acaba por fazê-los convergir numa certa direcção. Do fundo do oceano, parece sentir-se o chamamento da Ilha...
Um excelente artigo, mais um. Parabéns! De facto sendo extenso inicialmente assusta um pouco (especialmente para alguém que não segue a série), mas a forma como está escrito é tão simples e limpa que acaba por se revelar muito fácil de ler.
ResponderEliminarObrigado! Vi muita confusão em relação a certos aspectos do episódio, ou
ResponderEliminarcoisas que me escaparam à primeira e só me fui apercebendo através da
discussão com outras pessoas, daí a minha motivação para um segundo post :)
2010/2/9 Disqus <>
A minha percepção é que em Lost estamos perante as realidades tangentes e não as realidades alternativas ou os mundos paralelos.
ResponderEliminarTangentes porque as realidades geradas concorrem ambas entre si para poderem atingir o ponto de convergência, e tal como bem refere, dotando aos directamente afectados a sua redenção.
A temática aqui é bem diferente da execução da série Fringe.
http://armpauloferreira.blogspot.com/2010/02/series-tv-lost-e-fringe.html
Concordo! Os produtores já "proibiram" a ultilização do termo alternativo, e realmente "paralelo" é mais um termo metafórico do que geométrico. Uma realidade existe por causa da outra. O seu passado é o mesmo, pelo menos até um certo ponto no tempo. Mas não são paralelas, no sentido em que nuns pontos se aproximam e noutros se afastam.
ResponderEliminarAté que ponto teremos "viagens" entre as realidades, não faço ideia... mas penso que os simples acontecimentos de uma acabarão por influenciar (ou equilibrar?) os acontecimentos da outra. Depois de várias temporadas a apregoar que o Universo tem formas de se auto-corrigir, acredito que a redenção dos personagens não estará numa, mas no conjunto das realidades :)
Finalmente posso ler isto, estava a ver que não... Mas realmente o que eu tinha visto no Progresso naquele dia não me serviu de muito, ver um Jack e um avião não me adiantou de nada :P
ResponderEliminarNão tinha apanhado todas as diferenças entre os dois mundos, ainda bem que as puseste todas (ou vá, no mínimo quase todas). Gostei, quero mais disto (ah espera, já há mais 6 disto ali à espera que eu os leia).
Pena o vídeo do anúncio já não estar disponível no Youtube :/
Ainda bem que gostaste :)
ResponderEliminarRealmente, há aqui coisas que já desapareceram, tenho de procurar alternativas…