terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Brincadeiras Perigosas (1997), por Tiago Ramos



Título original: Funny Games (1997)
Realização: Michael Haneke
Argumento: Michael Haneke
Elenco: Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Arno Frisch e Frank Giering

A violência é um dos assuntos por demais explorados na indústria cinematográfica. Mas em Brincadeiras Perigosas essa temática atinge proporções diferentes. Sim, aqui a violência é ela verdadeiramente gratuita. Justificada? Também. Mas não deixa de ser gratuita. Isto porque Michael Haneke – cineasta singular na forma visceral com que filme – entrega-nos um retrato da violência contemporânea, um ensaio visceral sobre as motivações humanas. Afinal precisaremos nós de motivação?



Afinal o motivo não é nada mais que entretenimento. Entretenimento violento a que somos submetidos, que nós próprios infligimos às vítimas, que nós próprios sofremos. Em Brincadeiras Perigosas não somos espectadores. Somos tanto os autores, como as vítimas. Fazemos sofrer e sofremos, como se vestíssemos duas peles simultaneamente, como se nos transfigurássemos perante o ecrã. Os responsáveis por tal violência nunca são claramente apontados – não interessa – porque o temos aqui é a visualização mais horrenda e crua de violência injustificada. Somos tão culpados quanto Paul e Peter. Todos reagimos às piscadelas no ecrã, todos correspondemos à aposta porque ficamos ali até ao fim para ver quem ganha. Quem sobrevive e quem morre. Porque no fim de contas todos gostamos de brincadeiras perigosas. Porque somos tão voyeurs quanto eles, porque nos sentimos culpados pela nossa passividade. Não há meias medidas: somos cúmplices!

Em Brincadeiras Perigosas a violência não é graficamente expressa. O pouco que vemos é prontamente ocultado. A violência a que assistimos é emocional, aguda e torturante. É manipulação das vítimas, é a nossa própria manipulação. Isto porque Michael Haneke permite às suas personagens o controlo da situação e corrigirem o desenrolar da narrativa à sua própria vontade, o que só contribui para a angústia do espectador. Sádico e humilhante.



Muita da culpa que carregamos às costas é-nos imputada pela câmara do cineasta. Fria, calculista, crua, reflexiva e irónica. Os planos são reais, estamos ali, a câmara empurra-nos para o centro da cena. Jürgen Jürges (Código Desconhecido) contribui por através do exercício da cinematografia, conseguir provocar no espectador uma sensação claustrofóbica e fria, tal como a estimulada pelo argumento. Susanne Lothar (O Laço Branco) é exemplar na construção do seu papel que demonstra bem a perda da sensação de segurança irredutível no seu lar. Bem como Ulrich Mühe (A Vida dos Outros) que confirmou o seu potencial enquanto actor, que poderia ter facilmente projecção internacional. Por fim, a dupla principal (Arno Frisch e Frank Giering) é magnífica na forma como opostos se complementam na falta de escrúpulos e no modo como brincam com os espectadores. Não são grandes exercícios de desempenho que enaltecem este filme, mas na verdade basta-nos a expressão escarnecedora com que encerram cada sua acção.



O final deixa-nos perturbados, incomodados. No fim de contas, tivemos tanta culpa quanto eles e ficámos até ao fim, fosse qual ele fosse. A reflexão exige-se e Brincadeiras Perigosas tinha muito por onde podíamos meditar.

Classificação:


6 comentários:

  1. Não sei se a violência de FUNNY GAMES poderá ser considerada gratuita da mesma forma que nos referimos à violência gratuita que diariamente invade os media. É que FUNNY GAMES não é mero sadismo. Utiliza o sadismo, isso sim, para chegar à reflexão - e a reflexão é sempre um objectivo a atingir.

    De resto estou de acordo com a crítica. É um filme forte e muito muito bom! 5/5

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  2. Efectivamente não é o mesmo tipo de violência gratuita. Neste caso é gratuita porque não tem motivação a não ser o puro gozo. E isso não é culpa de Michael Haneke, mas sim das suas personagens. É sádico, mas não ao estilo de filmes gore, é sádico porque brinca com as vítimas. Gratuitamente, nesse sentido.

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  3. Concordo em pleno com o que escreves, Tiago! A gratuitidade como meio de perturbar - e não deliciar - o espectador é, de longe, genial. Um dos melhores de Haneke (e refiro-me ao remake ;)

    Abraço!

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  4. Acho este filme extraordinário. Uma das provocações mais geniais do Cinema.

    [*****]

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  5. Ainda não tive oportunidade de ver o Funny Games U.S., mas quero dar um tempo, visto ser um remake frame by frame. De qualquer forma esta história é magnífica. Michael Haneke é tão bom realizador, mas como argumentista é ainda mais genial. E é preciso estar muito consciente do seu trabalho para não alterar NADA quando realiza um remake de um filme seu.

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