sábado, 13 de março de 2010

Visto do Céu, por Tiago Ramos



Título original: The Lovely Bones (2009)
Realização: Peter Jackson
Argumento:
Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Alice Sebold
Elenco: Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Saoirse Ronan, Stanley Tucci e Susan Sarandon

O conceituado crítico norte-americano Roger Ebert, a propósito da estreia de The Lovely Bones, ironizava no título da sua crítica que quando se é violada e assassinada, aí é que começa a diversão. Por mais polémico ou arrojado que seja proferir tais palavras, a verdade é que só após vermos o filme percebemos o que realmente ele queria dizer.



Adaptado do bestseller homónimo de Alice Sebold pela sua habitual equipa de argumentistas, Peter Jackson assume as rédeas da realização num estilo muito equiparado a Heavenly Creatures. Assumido pela Paramount Pictures como o seu principal candidato aos Óscares em detrimento de Shutter Island, Visto do Céu foi mal-recebido pela crítica e sofreu a humilhação de não ter sido agraciado pela Academia. O problema maior – e sejamos francos – é precisamente a realização de Peter Jackson. Por quê? Bem, precisamente porque parece não encontrar o seu espaço e perde-se precisamente num meio-termo entre os clássicos de série como Braindead e as super-produções de O Senhor dos Anéis.

O realizador parece ter sido apanhado pela difícil adaptação cinematográfica de um livro que oscila entre o drama brutal e a espiritualidade. É precisamente nessa caracterização do limbo em que se encontra a protagonista – tecnicamente fantástica – que Peter Jackson se confunde. Porque a junção entre essas duas fases funciona como uma colagem mal feita, soando a forte lacuna no argumento. É algures entre esses dois géneros que Visto do Céu soa a incompleto. A trama do livro exige uma modulação quase perfeita que, se resulta a nível da imaginação do leitor, é dificílimo transpor a nível visual. E se dificilmente consigamos nos lembrar de algum realizador que o conseguisse fazer na perfeição e não podermos recriminar o realizador por ter tentado fazer algo tão complexo, a verdade é que não deixamos de nos sentir desiludidos.



Mas nem tudo é negativo. Tal como no livro, somos atirados de imediato para o drama. Quase sem aviso. E entre um brutal homicídio – a que inicialmente não chegamos a assistir – somos arrastados para o luto de uma família e para a mente de uma criança que tem de enfrentar o facto de estar morta, mesmo querendo vingar a sua morte. E é assim que Susie Salmon se encontra dividida. Entre o medo do desconhecido e a vontade de partir para deixar a sua família em paz e o desejo de vingança. Encontra-se perdida no limbo, num mundo fantástico e fascinante. Mas não é nesse mundo de efeitos especiais que Peter Jackson brilha. É precisamente no drama familiar, na forma como entra na mente das personagens e em como a família enfrenta o luto da perda de alguém muito próximo, que se entramos no tom certo. Entramos no domínio do filme clássico, transversal em géneros hollywoodescos, como a trama policial, a comédia familiar e o drama.



Este trabalho é maravilhosamente sustentado pelo elenco de actores e é precisamente por esse motivo que não chega a ser o descalabro que se anuncia pontualmente. Rachel Weisz e Mark Wahlberg são os actores que encarnam as personagens a quem mais se exige durante o processo de luto. Cada um enfrenta a morte da sua forma, mas todos eles assentam da mesma forma: a fragmentação. Porque se no início assistimos ao quotidiano de uma família comum, o que vemos a dada altura são fragmentos, peças de quem já foi uma pessoa completa e agora enfrenta um enorme vazio. Rose McIver é a encarnação da revolta e da postura adolescente de quem tem muito a reivindicar, digna de uma justiça muito própria. E depois temos uma portentosa Susan Sarandon. Uma avó desvairada, pouco preocupada com a família, mas que surge no preciso ponto de ruptura da família. Porque quer bem quer mal ela está e assegura a união da família, mesmo que não da forma que acharíamos mais adequada.

Saoirse Ronan é a prova viva da nova vaga britânica de actores. É a mais jovem revelação da actualidade e que prova porque recebeu uma merecida nomeação para o Óscar, na altura por Atonement. A actriz equilibra muito bem a postura infantil própria da idade e o sentimento de quem viu a sua infância interrompida. Por fim, temos de falar de Stanley Tucci. Uma brilhante interpretação – caricatural, mas assustadora – de um serial killer sem escrúpulos (em nenhuma altura é isto segredo). Um trabalho merecedor de todas as nomeações obtidas pelo trabalho de Actor Secundário, nos Globos de Ouro, nos Óscares e em tantas outras atribuições de prémios.



Visto do Céu desilude. Peter Jackson falhou. Mas se o fez foi porque a adaptação ao cinema era das mais complexas de sempre. E se falhou, fê-lo de cabeça erguida, porque Visto do Céu consegue despertar sentimentos no espectador. O final é de justiça. Justiça poética. E a Paz finalmente chega.

Classificação:

3 comentários:

  1. Concordo, Tiago. The Lovely Bones é um filme de momentos. Alguns espectaculares, cheios de paixão e coração, outros fracos.
    Saoirse Ronan e Stanley Tucci brilham ao mais alto nível e a banda sonora é muito boa. Não gostei nada do comic relief da avó, pois achei-o deslocado. Também achei que o CGi foi usado em excesso.

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  2. Precisamente. Tem tanto de mau como de bom. Eu achei que Susan Sarandon esteve excelente, o papel dela era essencial e é bastante fiel à noção que temos da avó quando lemos o livro. O CGI sim... um bocado exagerado.

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  3. "The Lovely Bones", adianto que achei muito interessante. Não me desiludiu.

    Talvez porque o tenha visto já depois do hype (que se tornou negativo) e esse ruido gerado me ter criado nenhuma expectativa de obra maior.

    Tem um elenco bem escolhido, onde curiosamente todas as principais personagens têm algum espaço de construção nesta malha que se torna intrincada com a perda e a forma de lidar com ela.

    Como filme, no seu todo é uma proposta que acaba algo fracturada, como se duas formas distintas de direcção artística estivessem em constante colisão durante grande parte desta obra muito peculiar. E a culpa é forma excessivamente computorizada que criativamente Peter Jackson escolheu para nos ilustrar visualmente este "mundo" surrealista e que melindra o filme no seu conjunto.

    Tem ainda um bela banda-sonora de Brian Eno (e não só, pois também os Cocteau Twins, This Mortal Coil e outros pontuam esta produção), que potencia grandemente o constante feeling real vs intangível do filme, mas muito especialmente os momentos surrealisticos no campo metafisico.

    "The Lovely Bones" um filme que bem poderá não agradar a todos mas que é uma experiência visual e narrativa muito interessante.

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