domingo, 6 de junho de 2010

O Polícia Sem Lei, por Carlos Antunes


Título original: Bad Lieutenant
Realização: Abel Ferrara
Argumento: Victor Argo e Victor Argo
Elenco: Harvey Keitel, Victor Argo, Robin Burrows e Frankie Thorn

Um homem genuinamente mau e consciente disso mesmo, com poder à disposição para actuar segundo esse traço absoluto de existência, não resiste a entregar-se a uma espiral de decadência e corrupção pessoal.
Ele não pretende disfarçar nem atenuar aquilo que é, muito menos pretende deixar a via de todo o tipo de violência que segue. E muito menos há razões para mostrarem que ele seja assim - ainda que o cenário da cidade deixe alguns indícios - pois não há espaço para a justificação, ele é o que escolhe.
Essa espiral segue até ao mais violento ponto, o da irrealidade, com ele a alucinar no interior de uma Igreja com a aparição de Cristo.
A corrupção que ele impõem a si mesmo, selvagem em todos os instintos físicos que ele possui, cobra o preço na sua psique, arrasando a pouca convicção que lhe resta de si mesmo.


Só que quando ele se depara com o caso de uma freira a quem roubaram a virgindade usando um crucifixo mas que foi capaz de perdoar aos que cometeram tal acto, a sua ilusão passa a ser outra, a de que ele também tem espaço na sua existência para um acto de redenção.
Esse acto de ilusão que ele toma por redenção, no entanto, é um acto final de um homem que se sabe condenado e que não tem verdadeira esperança em qualquer forma de perdão.
Se ele quisesse realmente obter a redenção não daria dinheiro e os meios de fuga aos dois criminosos que conseguira apanhar, uma atitude que mais parece um apludir dos seus actos tão próximos já dos dele próprio.


Tudo isto, num registo centrado na personagem e sem luz alguma para conceder ao que se vê, sem espaço para um desenvolvimento complexo da narrativa em torno da qual a personagem se move, resulta de forma brilhante porque a brutalidade de Ferrara e a visceralidade de Keitel estão expostas por completo e em sintonia.
Apenas a entrega deles permitira um efeito assim, de concretização irremediável da história de um tão desprezível, a um certo ponto tão ridículo e digno de pena, mas que nos compele em absoluto a olhar para ele.



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