quinta-feira, 10 de março de 2011

Blue Valentine - Só Tu e Eu, por Tiago Ramos



Título original: Blue Valentine (2010)
Realização: Derek Cianfrance
Argumento:
Derek Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis
Elenco: Ryan Gosling e Michelle Williams

Perguntar o que é o amor, é tão universal quanto a questão imortalizada por Paul Gauguin «D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous?» (De onde vimos? Quem Somos? Para onde vamos?). A resposta é também ela universal e incerta. À parte de explicações científicas que resumem tudo a uma dose de hormonas e elementos químicos, a verdade é que para quem se questiona é difícil aceitar algo tão básico. Tudo isto para dizer que nada é tão simples quanto aparenta, ou mesmo que o seja, não se aceita. Porque somos complicados, assim como as relações o são.



Blue Valentine, a que em Portugal acrescentaram um sufixo que lhe reduz toda a magia do título – Tu e Eu – é original precisamente por isso. Porque retrata à luz da realidade a relação entre casais habitualmente romantizada pela indústria cinematográfica. Porque parte da questão universal sobre o que é o amor, se é eterno, como nasce e como morre. Foge da tendência do cinema romântico em apresentar o relacionamento entre duas pessoas como o mar de rosas, que efectivamente não é. Não quer com isto dizer que Blue Valentine é um filme pessimista, porque não é. É um filme real, sobre a rotina. É isto o amor? Não sabemos. Tanto pode ser como não, pode ter um fim ou não, mas tem sempre as suas curvas ascendentes e descendentes.

Derek Cianfrance divide-se entre as duas épocas que compõem o amor de Dean e Cindy: a fase inicial, do conhecimento, paixão, espontaneidade e a fase final, o desgaste da rotina, o afastamento, as dúvidas, a complexidade. Um contraste contínuo e alternado entre a recordação e nostalgia do passado, com a constante percepção do presente. As coisas mudaram e de quem é a culpa? É dos dois? Ou de nenhum? A facilidade do início é contraposta pela dificuldade em colocar um fim a algo que aparentemente já não tem futuro. Cindy tem dúvidas. É a ela que lhe começam a nascer. Ora pelo firmar da sua relação ter sido algo precipitada, ora por um encontro acidental com alguém do seu passado começar a colocar em questão o futuro. Não surpreende que parta dela a intenção de terminar o remediado. Ele, Dean, assume que não. Mas ficamos na dúvida, nós e ele, se essa dificuldade em aceitar o inevitável parte daquilo que conhecemos por amor ou apenas remediar o que já não tem remédio, o eventual corte com a rotina que tanto custa.



E tão bem, o cineasta assume essa tendência para o corte – pessimista ou realista, não interessa – ao visualmente retratar essas dúvidas. Se o passado é filmado com cores vivas e tons quentes, o presente é retratado em cinza e tons frios. Tão irónico quanto o quarto de motel onde tentam por fim resolver as dúvidas se chamar quarto futurista. Como uma premonição do eventual fim. Tão irónico quanto o tom sufocante que simultaneamente invade as personagens e o espectador. Nobody baby, but you and me. Porque ali são apenas eles. Dean e Cindy numa réstia de firmeza ao passado num quarto tão sufocante, num ambiente que tem tanto de sexy como de desesperante. Tanto de belo e poético como decadente.

Michelle Williams e Ryan Gosling assinam aqui uma das melhores interpretações da sua carreira. Ela, nomeada ao Óscar para Melhor Actriz, nunca chega a atingir a genialidade de Ryan Gosling, um dos actores mais menosprezados desta geração, mas principalmente um dos mais talentosos e injustamente sem uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor. Eles transformam-se em Dean e Cindy. Eles são Dean e Cindy e sentem as mesmas dores e as mesmas dúvidas. A mesma obsessão em tentar sobreviver à ruptura que insiste em assolar a sua vida conjunta. Assim como nós. Nós somos eles. Vivemos o mesmo turbilhão, a mesma desolação e melancolia. A mesma dúvida: é isto o amor? Talvez seja, talvez não. Mas a doçura com que Blue Valentine coexiste com os nossos próprios medos é tão realista e honesta que não há forma de não nos apaixonarmos.



Em Blue Valentine há um fim. Mas nunca chegamos a saber se este fim é eterno ou não. Naquele dia sim. Mas o amor e uma vida acaba assim de uma vez, num dia? Também de pouco interessa porque está aqui criado um dos mais importantes e belos retratos do amor e da relação humana.

Classificação:

3 comentários:

  1. A crítica está muito boa mas aqui não concordamos a 100%.. :P

    O filme tem qualidades infindáveis: o argumento muito bem escrito (capaz de criar uma espécie de paralelismo invertido em determinados momentos), a montagem sempre cuidada, os diálogos de um realismo dilacerante (fabulosa a discussão no carro), os tons contrastantes das fases do filme (brilhante a ideia do quarto do hotel), a caracterização das personagens no antes e no depois (sempre muito fácil distinguir sem cair no exagero), a banda sonora (romantica mas nunca lamechas). Por fim, a cereja no topo do bolo: o elenco! Nada disto funcionava sem a incrível entrega e química entre Gosling e Williams (sem esquecer a adorável Faith Wladyka).

    Mesmo colocando de lado a minha adoração pela Michelle Williams (também gostando muito do Gosling) penso que seja injusto afirmar que esta "nunca chega a atingir a competência de Ryan Gosling". Acima de tudo porque são personagens muito diferentes! É normal que uma das interpretações nos destaque mais mas penso que colocar a outra num nível mais baixo em termos de competência seja extremamente injusto. Estou só a dar a minha opinião, espero que não leves a mal mas essa frase soou-me um bocado mal... :P

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  2. Eu percebo o que dizes... eu adoro a Michelle Williams e confesso que dentro de todo o brilhantismo da sua interpretação e pondo de lado o facto da personagem do Ryan Gosling ser talvez mais "destacável" no argumento que dela (não sei se me fiz entender), me desiludiu. Não que não esteja bem, mas ficou aquém do que esperava, acho. Mas isto... não quer dizer que não a ache genial. Se calhar utilizei mal a palavra. Competência não é de facto o mais adequado... São ambos competentes.

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  3. Pois, acho que não é isso que dá a entender no texto... Talvez fosse mais correcto falar de brilhantismo... Aí eu compreendo a preferência pelo Gosling. E sim, acho que durante o filme a sua personagem tem mais destaque e provavelmente arregala mais a vista (o que aconteceu comigo também)...

    Mas depois de ver o filme foi Cindy quem ficou mais comigo... 1º porque Michelle Williams tem momentos que nem sequer parecem acting, depois a diferença emocional entre as 2 fases: a luminosidade, a ingenuidade, a despreocupação, o sorriso aberto do antes em contraste com o ar carrancudo, desesperançado, olhar perdido e, em especial, aquela sensação de claustrofobia crescente do agora. Pelo seu desenrolar na história acaba por ser uma personagem mais ingrata porque é um pouco vista como a má da fita. Mas para mim o principal feito da MW foi conseguir fazer de Cindy não uma mera personagem mas sim o reflexo de inúmeras mulheres que vivem situações semelhates (algo mais difícil de aplicar à personagem do Gosling por ser muito mais peculiar e característica).

    Bem, mas opiniões à parte, o valor da obra é inquestionável! :)

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