quarta-feira, 11 de maio de 2011

Artur, por Tiago Ramos



Título original:
Artur (2011)
Realização: Flávio Pires
Elenco: Artur Ramadas, Fábia Edite, Mário Pontes, Rebeca Fernanda, Samuel Sebastião, António-Pedro Vasconcelos, Esperanza Gomez, José Luís Peixoto, Júlio Machado Vaz, Vítor Teixeira e Yrjö Vähämäki

Mesmo para quem não conheça a obra do cineasta português Artur Ramadas, os primeiros minutos da curta-metragem sobre a sua vida e obra são denunciadores de um cinema sensível (em todos os extremos da palavra) e já muito raro em Portugal. Falamos da sua primeira obra Pai (1962), com a mítica cena da praia onde em voz off se repetem as palavras «Lázaro, levanta-te. Pai é Deus. Deus é Pai».



A partir daí somos levados ao universo intenso e peculiar de um cineasta tão desconhecido no nosso país, mas simultaneamente capaz de levantar a absoluta polémica tanto pelo teor da sua obra, como pelas dúvidas que se abatem sobre a sua sanidade. Com testemunhos de quem teve oportunidade de se cruzar com o cineasta, em Artur é dado a conhecer ao espectador a ambiguidade de reacções no que diz respeito à sua personalidade. Se há quem sinta repulsa pelas suas ligações à Igreja Satânica, há também quem compreenda que dentro de todo o seu eventual distúrbio bipolar e personalidade característica, é essa falta de pacificidade que faz dele um criador tão particular. Os testemunhos na primeira pessoa do cineasta António-Pedro Vasconcelos, do escritor José Luís Peixoto, do psiquiatra Júlio Machado Vaz, historiadores e amigos, servem precisamente para confirmar a sua especificidade enquanto pessoa e artista.

O que essencialmente faz de Artur uma curta-metragem memorável – à parte de ser inteiramente produzida por uma jovem, dinâmica e talentosa equipa encabeçada pelos produtores Fernando Ribeiro e Mafalda Castelo-Branco – é o olhar admirável de quem se surpreendeu pela obra do cineasta, mas também de orgulho por serem os primeiros a trazerem à luz do dia raríssimas imagens de arquivo com momentos da vida pessoal de Artur, do seu casamento, no set das filmagens e na pré-produção dos seus filmes. Ou ainda breves cenas de alguns dos seus mais icónicos filmes: momentos raros para ficar a conhecer (ou rever, para quem já conhece) obras como Pai (1962), Costa do Mal (1970), A Voz da Torre (1977), Trevas (1985) ou Viagem em Volta do Pilar Transcendental da Singularidade (1992).



Embora como documentário adopte a estrutura comum de entrevistas, Artur é competente na forma como complementa esses depoimentos com imagens de arquivo, trabalho sensível da equipa de montagem composta por Nuno Almeida e Nuno Castilho. Detalhado, mas não exaustivamente, o filme consegue preencher de forma cativante a curta duração, criando uma interessante visão geral sobre Artur Ramadas e ainda algumas cenas peculiares, como a de um programa dos anos 80 onde o cineasta foi entrevistado ou a forma como foi descoberta a compositora dos seus filmes, Rebeca Fernanda. Destaque também para a composição original de Nuno Cruz que abrilhanta os créditos finais de forma tão intensa como comovente.

Falar mais sobre esta curta-metragem é revelar demasiados detalhes sobre um trabalho que vale por si só. Artur é um filme sensível sobre um homem que sempre viveu à frente de seu tempo, uma visão honesta e sem preconceitos da figura de um homem tão instável como talentoso, uma oportunidade de divulgar o trabalho de um cineasta português tão menosprezado. Resta-nos esperar que tal como diz, a dada altura, António-Pedro Vasconcelos «quem sabe que ele não esteve durante este tempo todo a fazer filmes às escondidas» e sejamos presenteados com uma obra inédita de Artur Ramadas. Artur, de Flávio Pires, fez pelo menos o seu trabalho no que diz respeito ao aumento da expectativa.

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