quinta-feira, 19 de maio de 2011

Jean Gentil, por Carlos Antunes


Título original: Jean Gentil
Realização: Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán
Argumento: Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán
Elenco: Jean Remy Gentil

A sessão em que vi Jean Gentil sofreu de uma sala principal do São Jorge muito vazia. No final senti que era a maior injustiça que poderiam ter feito ao filme.
Jean Gentil é a grande obra a sair deste IndieLisboa, inevitavelmente devastadora como o seu fim deixaria à vista.
Jean Gentil é um homem, que é um personagem mas parece real até porque dá o seu próprio nome à sua encarnação. Jean Gentil é uma interpretação sublime, solitária e serena - ainda que seja feita de sofrimento e de abandono.
Jean Gentil perde o trabalho e parte em busca de alternativas, apenas para ir caindo mais fundo no abismo selvagem da existência.
A sua candura, no entanto, leva-o a reerguer-se por vezes, mas descobrimos que isso só o conduz a nova queda.
No meio de tais processos de queda, e apesar deles, Jean Gentil vai acreditando e pedindo aquele milagre que deveria ser tão simples para Deus, retirar-lhe aquela dor de cabeça - um tumor, supomos, embora nunca se pronuncie tal palavra.
Farto de pedir, Jean, que até recuperou a profissão que tinha até aí, entrega-se, deita-se na areia e espera.
É o acto mais sublime de humanidade de Jean Gentil, ele que foi sempre delicado apesar dos infortúnios. É o seu acto de desistência que o mancha ao mesmo tempo que o salva.
Um acto que custa muito mais aos outros do que a ele próprio.
Deus não tem mais subtileza - se alguma vez a teve - e para fazer o corte com o mal que o atravessa, acaba por rasgar pelo Haiti afora.
Aquele sismo foi o milagre de Deus para Jean Gentil. Que nos importa que o país sofra se Jean já não o sente?
O filme é implacável até ao fim, de um realismo duro e primário (e detalhado) que com isso nos nega o prazer total pelos belos enquadramentos pensados pelos realizadores.
Jean Gentil é o filme que não permite que se saia da sala sem uma reacção, sem um olhar crítico para o alto e um olhar comovido para o "fundo da Terra". Haviam de lá ter estados mais pessoas para o ver!



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