segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Árvore da Vida, por Carlos Antunes


Título original: The Tree of Life


Não se diga que a A Árvore da Vida não é para todos ou que os seus espectadores se dividem entre os que compreendem e os que desdenham. O filme tem no seu interior o cinema narrativo que todos podem reconhecer. Apenas está balizado pelo próprio universo, pelo início e pelo fim de tudo.
Os espectadores estarão entre os que aceitam ou não aceitam a ligação que Malick estabelece entre o infinito e o infinitesimal. Assim mesmo se quer o cinema, longe da unanimidade. Mesmo que os que aceitam a ligação sejam, possivelmente, mais afortunados que os restantes.
O filme olha o palpável a partir do imaterial e o compreensível a partir do extraordinário.
O seu olhar interrogador sobre a espiritualidade e a existência não empareda a vida humana entre a grandiosidade da existência (e da execução) divina. Equipara-as!
O início e o fim do universo são como o início e o fim de toda e qualquer vida. Por isso, a existência de uma família é um relato essencial de um universo que o entendimento nunca explicará totalmente.
Se somos partículas aos olhos do divino, também nós somos divinos aos olhos do que nos é infinitamente menor ou dependente.
Olhe-se os pais que aqui existem como figuras em que se projecta uma ideia religiosa de Deus.
O pais austero e exigente. A mãe carinhoso e deslumbrada. São as duas faces do Deus à conta com os seus filhos.
Se há uma religião que lhes chama "filhos de Deus", naturalmente os filhos que têm os encararão como os seus próprios deuses.
O filho mais velho cumpre, através da sua vida, o percurso que cabe a todos os que confrontam a sua própria espiritualidade interna.
Primeiro vive feliz perante os seus criadores, num paraíso de inconsciência. Perde a inocência num primeiro acto de descoberta física. Depois rebela-se e luta de volta, crendo-se equiparado a quem está acima dele. Finalmente apazigua-se e faz as pazes com o seu "deus".
O que não impede que até ao fim dos seus dias continue a interrogar-se e a imaginar o seu próprio lugar no espaço do divino onde todos poderão ainda existir e onde todas as possibilidades poderão ainda recriar-se.
Isto é a sensação de tudo o que abarca um filme que, ainda para mais, existe em estado permanente de deslumbre visual.
O deslumbre visual é o sinal de que Malick é corajoso e que tem um olho extraordinário para as cenas de grande impacto.
Tal estado de imagética é a comprovação de um realizador visionário, mas não é a realização em si que importa sublinhar. As decisões de Malick foram de encontro à sua visão de um realismo superlativo, que ele continua a cultivar pedindo aos operadores de câmara que filmem subjectivamente e escolhendo com Emmanuel Lubezki (que continua a ser exímio no seu trabalho) uma luz sempre natural.
Mas ainda mais radical do que essa ousadia é a sua montagem, essa sim um trabalho de génio.
A sua montagem conta uma história através de detalhes que seriam esquecidos por muitos. É sempre a imagem que traduz a percepção da realidade das relações do melodrama (ou não estivéssemos nos anos 1950) familiar.
A mesma imagem que se descola desse ponto de ligação ao comum como se não lhe pertencesse.
A visão, como a voz narrativa, é etérea mas sentimo-la como superior a qualquer plano terreno. Os olhos planam entre a realidade e o mistério longínquo, não fugindo em direcção ao infinito apenas porque há vidas a serem seguidas.
Se uma família significa o mesmo que o próprio divino, não se tem a certeza a quem pertence aquela voz, muito menos aquele olhar.
Pois a montagem desses elementos, não só a que liga o Universo e a família, mas toda aquela que escreve as passagens da vida terrena, não estabelece um discurso nem define as afirmações de uma tese.
A montagem cria uma interrogação permanente, como se Malick desse corpo ao filósofo que todos deveríamos continuar a ser pela vida fora.
Haverá um sentido para a pergunta que é este filme, um sentido que talvez não descubramos antes de termos a idade com que Malick assinou este seu quinto filme.
Até lá saberemos apreciar o filme por via dos sentidos, pois não é só a fotografia mas também a banda sonora que nos fala da composição abismal que estamos a ver. Um filme para crermos que a luz do sol nos toca a pele em plena sala de cinema.
A experiência viva (e vivificante) do filme é extraordinária por si só, mas não é a única. Está perto de ser exemplar para a tão ambicionada demonstração de que o cinema é a moderna gesamtkunstwerk (mesmo que não diga que é perfeito, mas de que vale o perfeito se o imperfeito nos toca muito mais).
Já que é quase certo que todos os cinéfilos viram a intervenção de João Botelho no Canal Q, aproveito uma das suas frases - que poderá ter ficado submersa entre todas as outras afirmações - para concluir.
O Cinema, como as outras artes, foi feito para desassossegar as almas. Então, nada é mais Cinema em 2011 do que A Árvore da Vida. Ame-se ou odeie-se, não é filme que se cale depois de o interiorizarmos.




4 comentários:

  1. este filme está para o cinema como a arte abstracta está para a pintura.. só os "entendidos" e "criticos" conseguem ver virtudes na mesma.. a realidade é que estamos perante umas das mais aborrecidas sequência de mais de 100 minutos que se pode ter na vida.. tal como o 2001 odisseia no espaço estamos perante de um filme pseudointelectual que pouco pretende demonstrar a não ser o facto de os seus realizadores quererem poder ser aplidados de diferente e visionários..

    tão simplesmente isto não é cinema (chamem-lhe arte, se quiserem, mas não arte 7ª arte)

    um filme tem como base o entretenimento quer se se queira ou não e pra isso não é preciso falar de blockbusters..

    dou apenas alguns exemlos de enormes filmes que não necessitam de ser uma coisa nem outra, apenas é preciso encontrar a genialidade no meio termo (The Shawshank Redemption, Seven, American History X, eternal sunshine of the spotless mind, entre outros..)

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  2. De facto o criticismo é um requisito imprescindível na aceitação, compreensão e deleite deste filme. Quem não se predispor a pensar, a reflectir, a questionar, a procurar respostas dentro de si, não gostará, com toda a certeza da metáfora a que Malick recorre para mostrar a vida. Impõe-se então a necessidade (que é expressa) de se ser crítico a cada segundo dos 138min de película... crítico sobre o mundo, sobre nós e os outros... mas para isso não precisamos de ser "entendidos" em cinema, a dita 7ª arte que reflecte, independentemente do tipo de filme, o Homem, a forma como é, age, pensa, sente, imagina, cria ....assim é o cinema... ou não seria arte alguma! 
    Se vamos à espera que nos sejam dadas respostas, vamos enganados. Malick, apesar de cunhar o filme com as suas convicções, vivências e experiências, não tenciona de modo algum condicionar o espectador. Muito pelo contrário; deixa tudo em aberto... coloca questões... interroga.... cria dilemas...desorienta... perturba... não resolve, mas conduz-nos a uma multiplicidade (quase que infinita) de caminhos que nos levam ao encontro de respostas...respostas que cada um de nós encontra só para si. 

    Esta é a verdadeira essência do filme... um filme que invoca poeticamente a vida da Terra e do Homem, despretensiosamente. 

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  3. Adorei o comentário da Patrícia Freitas. Perfeito.

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  4. Ame-se ou odeie-se, não é filme que se cale depois de o interiorizarmos.Para quem quiser saber até que ponto isto é verdade:http://reviewingtreeoflife.blogspot.com/A melhor crítica sobre o filme, com todas as suas influências fundamentais.

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