segunda-feira, 13 de junho de 2011

Hadewijch, por Carlos Antunes


Título original: Hadewijch

Bruno Dumont proporciona-nos um olhar sobre o sentimento religioso moderno sem julgamentos prévios ainda que se cruze com a ardência da juventude que exige uma certeza.
Céline é uma rapariga de Deus lançada ao mundo pelas freiras do convento em que se encontrava depois destas se aperceberem que o grau de abstinência e sacrifício a que se submetia era demasiado severo.
A ideia é que ela, pelo menos, vislumbre outras forma de viver a sua devoção. Formas que as próprias freiras encaram como mais saudáveis.
A partir daí a sua disponibilidade para com o mundo parece de uma totalidade ingénua - aceita os convites que lhe fazem sem se questionar ou constranger - como se ela não ousasse fazer uma decisão própria não fosse Deus estar a chamá-la nesse momento.
Nem esse contacto tão aberto com a realidade a consegue atrair para uma vivência de religiosidade inserida no quotidiano. Pelo contrário, leva-a a sentir um vazio maior, como se fora do convento estivesse abandonada.
O seu progresso na procura do regresso de Deus ao seu contacto termina na exigência da confirmação do Amor correspondido. Todo o adolescente acaba por confrontar o objecto do seu desejo, mas ela não tem mais do que um local representativo para onde correr e mesmo esse lhe está, muitas vezes, inacessível.
Ao cruzar-se com uma outra religião hesita em aceitar que esta esteja a um passo de comunicar com ela. A sua dúvida cresce e com ela a afirmação da sua entrega a Deus, etapa de negação da realidade de Céline.
A tese do filme surge então: a proximidade de todos os sentimentos de exasperação religiosa. A mesma necessidade de Deus, exigida com fúria, surge seja quem for que a sente: mulher ou homem, rico ou pobre, francês ou árabe, cristão ou islâmico.
E conclui com a certeza de que busca tão severa é sempre feita pela violência. Uma violência que pode estar confinada e ser dolorosa apenas para quem busca (como Céline no início do filme) ou que, como vemos mais adiante, pode exteriorizar-se e afectar todos.
Isto diz-nos (por vezes pela via da demonstração do seu oposto) o simbolismo de Dumont - seja a música de Bach ou a luz que surge e desaparece no rosto de Céline - que sobressai no filme porque a sua forma de filmar não procura artifícios.
Há uma inflexibilidade no percurso da protagonista a que Dumont corresponde, como se ele estivesse a submeter a câmara à realidade e não a representação ao realismo.
Daí que também os seus actores sejam imperfeitos mas admiráveis pela astúcia desse realismo.
Um filme admirável para o qual me resta agora descobrir a história de Hadewijch e, espero, compreender num próximo visionamento que significados ainda existirão para retirar do paralelo que Dumont terá estabelecido. Assim possa sentir que a minha percepção está à altura do que o filme tem a dizer.


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