Título original: Carlos
Realização: Olivier Assayas
Argumento: Olivier Assayas, Dan Franck e Daniel Leconte
Elenco: Édgar Ramírez, Alexander Scheer e Alejandro Arroyo
Carlos e Che são simétricos. E, à conta disso, são opostos.
São visões íntimas de homens cujos nomes se tornaram símbolos evocativos de conceitos ideológicos e cujos actos de domínio público se tornaram - mesmo entre os que os censuram - símbolos exemplares do que um homem pode alcançar por si mesmo e pela repercussão que os outros fazem de si.
Disto que têm em comum chegamos ao que os afasta, pois se Che criava o mito por nos mostrar a fraqueza humana superada, Carlos destrói o mito por mostrar a energia humana desperdiçada.
Olhar a intimidade de Carlos é ver o homem que começou com ideais e coragem terminar rendido ao que faz de um ser humano indigno de nota.
Um machista que precisava de submeter as mulheres a si, um homem que se excitava mais com a violência do que com as suas acompanhantes, um sujeito vulgar que se deixa encantar pelas histórias que os jornais contam dele, um soldado a crer no seu poder e a usá-lo para obediência dos quadros mais baixos das organizações em que se quer afirmar, um arrogante (quase) sempre em fuga.
Um "animal" como denominaríamos muitos dos homens violentos e arrogantes com que nos cruzamos no quotidiano. Porque seria diferente com este? Porque continuaríamos a dizer "O Chacal" com reverência (mesmo que apenas íntima)?
Por isso os seus actos terroristas - que Olivier Assayas faz por manter fora do ecrã - parecem momentos menores, não só no seu percurso, mas para a própria consciência histórica.
O homem que manteve a Europa refém é uma figura desagradável, um ser humano digno de desprezo e um mito que podemos censurar e retirar-lhe importância.
Assayas consegue preencher activamente as horas de filme sem recorrer à violência, que seria uma repetição maçadora. Os aspectos íntimos têm mais vida do que qualquer acto terrorista e isso é o que torna o filme tão repleto para o espectador.
Já aquilo que o torna arrebatador é a vivência de Édgar Ramirez. Vivência porque se submete às alterações físicas do seu personagem tal e qual como se as vivesse em directo. As muitas línguas que fala, a barriga que ganha e que perde e a idade que vai ganhando em ritmo acelerado, tudo são exemplos do processo que o fez chegar a esse ponto, mas é o seu desaparecimento completo por detrás da personagem que torna o seu trabalho admirável e (suponho) difícil de se libertar: tanto para os espectadores que voltem a vê-lo na tela como para a sua própria vida.
O único senão do filme é que parece correr demasiado depressa entre alguns momentos, negligenciando pormenores que, ainda não tenhamos a certeza, nos parecem ser determinantes para a visão final do personagem. Mas por isso mesmo saímos com vontade de ver a mini-série e voltar a este magnífico trabalho.
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