quarta-feira, 8 de junho de 2011

Entrevista a João Nuno Pinto, realizador do filme "América"

Começou na publicidade, mas correu atrás do sonho e apostou na formação em cinema. O Split Screen falou com João Nuno Pinto, jovem realizador que revelou ser uma interessante promessa no mundo do cinema com América, a sua primeira longa-metragem ainda em exibição nos cinemas portugueses. Falamos com ele sobre o seu percurso profissional, peripécias em redor da rodagem do filme e os seus planos de futuro.

Em 2008, realizou a curta «Skype Me». Três anos depois chega aos cinemas a sua primeira longa-metragem. Sempre foi o seu objectivo?

Desde muito novo que sentia uma grande necessidade em me expressar visualmente. Mas foi no cinema que encontrei o meio ideal para traduzir tudo o que tenho para dizer ou questionar. Foi um processo longo, primeiro na publicidade, como laboratório de aprendizagem e amadurecimento, até ganhar coragem para me lançar nesta aventura que é o cinema. A curta Skype Me surge a meio do processo do América. A preparação do filme estava a demorar tanto tempo que a ideia da curta surgiu como um vómito, uma urgência em filmar ficção. Entre a ideia e finalizar a curta deve ter durado uns 3 meses. O oposto do América. E embora não tenha nada a haver, nem em conceito, nem em estilo, serviu como preparação para o trabalho de actores que iria desenvolver mais tarde a filmar o América.

Como surgiu a ideia para o filme?
A ideia original é da Luísa Costa Gomes. Ela escreveu o primeiro guião baseado num conto dela, e eu tive a sorte que esse guião me fosse parar às mãos. Apaixonei-me imediatamente pela história e tive nesse momento a certeza que este era o filme que queria fazer. Depois foram anos de trabalho e uma enorme cumplicidade com a Luísa, a transformar a visão inicial dela em algo mais pessoal, que se identificasse mais com a minha visão do cinema e daquela história em particular. E isto só foi possível graças ao enorme talento e generosidade de uma escritora como a Luísa Costa Gomes.


A intenção era desconstruir o american dream à portuguesa?
Não só desconstruir como questionar. Lançar um olhar crítico ao nosso país e fazer um auto-retrato de um estado geral de apatia que o país atravessa. América é o novo drama trágico-marítimo do século XXI: um país encalhado nas suas próprias limitações. Um país que não consegue concretizar as promessas dos que cá estão, quanto mais aqueles que nos vêm parar às mãos.

Porquê este misto entre drama da imigração e comédia do desenrascanço português?
Porque acabam por estar ligados. Uns dependem dos outros. A imigração ilegal é de facto um grande problema, cheio de situações humanamente dramáticas e desesperantes. Mas queria trazer uma nova abordagem a este problema. Queria explorar a ironia e o humor ácido sobre os nossos velhos costumes de incompetência, desenrascanço e apatia dos que cá estão e a perplexidade dos que cá vêm parar ao depararem-se com esta realidade e maneira de ser. O humor permite uma visão mais fresca, andar nos limites das emoções e ser mais directo e acutilante em muitos temas bastante sensíveis. E embora o tom do filme seja bastante dramático, o humor e o burlesco que está presente faz-nos rir de nós próprios e do mundo onde vivemos, que é uma coisa que deveríamos fazer mais vezes.

Como chegou a este casting tão ecléctico e com a presença de Chulpan Khamatova, que vimos em "Goodbye Lenin"?
Acima de tudo, procurei actores se sentissem bem nos papéis que assumiam. Era importante que os personagens fossem verdadeiros, transpirassem verdade. E por isso era fundamental encontrar actores que fossem originários dos países que as personagens representavam, que assumissem os papéis de uma forma orgânica, quase como uma segunda pele. Acabei por fazer casting em Portugal, Espanha, Brasil e Rússia. Foi um processo exaustivo mas que me permitiu ter uma grande consistência e espessura em todos os personagens do filme. E foi assim que acabei por viajar até Moscovo, assisti a algumas peças de teatro, vi inúmeros filmes russos da actualidade e conheci vários actores entre os quais a Chulpan, uma das maiores actrizes russas do momento, que tive a sorte de gostar da história e do personagem da Liza e por isso se interessar pelo filme.


Trabalhou com Raúl Solnado, naquela que foi a sua última prestação no cinema. Acha que ele ficaria orgulhoso com o resultado final? Como foi trabalhar com ele?
Acredito que sim. Trabalhar com ele foi uma experiência muito gratificante e que vou guardar para o resto da vida. O Raul demonstrou nas filmagens não só todo o talento e profissionalismo que lhe conhecíamos como revelou ser uma pessoa com uma dimensão humana, uma humildade e generosidade fora do comum.

Porquê filmar num local tão improvável como a Cova do Vapor?
Exactamente por ser improvável e muito pouco conhecido e explorado. A Cova do Vapor surge no filme como uma metáfora de Portugal. Queria que o filme se passasse num local marcadamente português. E a Cova do Vapor tem isso: um aglomerado de casas à beira mar precariamente expostas à fúria do oceano, um bairro labiríntico e caótico feito de improviso e desenrasque que no seu conjunto criam um “patchwork” de criatividade popular. E isto tudo às portas de Lisboa, que fica do outro lado do rio. É como se as personagens estivessem no lado errado da vida, à margem da sociedade, do desenvolvimento, que eles vêem acontecer do outro lado.

Lembra-se de algum episódio caricato durante a rodagem de "América"?
Lembro-me da noite em que a roupa dos nossos protagonistas tinha desaparecido da caravana. Eram tudo peças vintage, não havia maneira de arranjar peças iguais e ficámos com um sério problema de continuidade para as cenas que ainda tínhamos que filmar. Foi um enorme susto mas felizmente resolvido com rapidez pelo pessoal da Cova do Vapor. No dia seguinte já tínhamos a roupa de volta e pudemos continuar a filmar. Mas nessa noite mal consegui pregar o olho.


"América" tem chegado a diversos festivais internacionais em locais tão distintos como a Índia ou a Bulgária e sempre com recepções calorosas. Acha que a temática do filme permite uma grande conexão com o espectador desiludido com a situação económica actual?
Penso que a boa recepção que o filme tem tido deve-se exactamente à sua temática cada vez mais actual e universal. O filme é sobre Portugal mas a realidade é cada vez mais transversal a muitos países. A actual crise não é apenas económica, estamos a viver um momento em que o modelo de desenvolvimento social ocidental está a ser posto em causa e existe uma grande dúvida e desesperança global em relação ao futuro.

Esta é um co-produção entre Portugal, Espanha, Brasil e Rússia. Foi difícil encontrar financiamento? Acha que o facto de ter uma equipa de produção internacional facilita à sua distribuição lá fora?
O filme teve muitos apoios e o orçamento nada modesto de 1.4 milhões de euros para uma primeira obra. Foram quatro anos de luta para conseguir o financiamento que acabou por ser uma co-produção destes quatro países, com dinheiro do ICA e RTP em Portugal, ICAA em Espanha, ANCINE no Brasil, investimento privado na Rússia e ainda o Ibermedia. E mesmo assim eu próprio tive que colocar as minhas economias para conseguir acabar o filme. Obviamente todo este esforço acaba por abrir portas lá fora e permitir que o filme tenha outra visibilidade nos mercados internacionais e com isso uma maior possibilidade de distribuição noutros países. Depois de Portugal o próximo será Espanha, onde o filme estreia já dia 14 de Julho.

Fale-nos um pouco do seu percurso profissional até agora. Maioritariamente tem trabalhado em publicidade. É uma área que gosta ou é um patamar temporário para o cinema?
A minha formação é toda feita nas artes plásticas e visuais, mas é o cinema que me permite exprimir as minhas ideias e emoções de uma forma mais completa. Fui parar à publicidade por acaso, onde trabalhei como director de arte durante 7 anos. Depois ganhei coragem, despedi-me e fui para Nova Iorque estudar cinema na New York Film Academy. Mas voltou a ser a publicidade que me abriu as portas para realizar e hoje tenho a minha própria produtora de publicidade, a Garage, que também é produtora do filme.
América é a concretização de um sonho antigo e o início de um novo percurso, agora muito mais ligado ao cinema. Mas não vou deixar de fazer publicidade. Além de pagar a renda é um excelente laboratório de cinema e uma maneira de estar sempre activo a filmar.


Tem planos para um projecto futuro? Quer revelar-nos alguma coisa?
Já estou a trabalhar num próximo filme. Se será o próximo ou não depende dos financiamentos que arranje. Mas ainda é prematuro para falar nele. Podem surgir outros projectos entretanto que avancem mais rapidamente.




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