domingo, 11 de setembro de 2011

La Traque, por Carlos Antunes



Título original: Proie
Realização: Antoine Blossier
Argumento: Antoine Blossier e Erich Vogel
Elenco: Grégoire Colin, François Levantal e Fred Ulysse

Creio que haverá um ressentimento para com este filme que não explora a fundo as criaturas que coloca em jogo.
O filme tem temas muito próprios a tratar que aproveita para colocar em jogo num cenário intenso e temporalmente restrito, para nele resolver o que tem a mostrar.
Os javalis estão lá, mas raramente os vemos. Há alguns focinhos de presas gigantes e umas carcaças já tombadas, só não há bestas chafurdando em primeiro plano e, assim, bloqueando o ecrã a tudo o resto.
Não se pense que, por isso, não há verdadeiro terror no filme. Ou que este está longe das regras do género.
No campo do terror tenso o filme aprendeu muito bem a lição de Jaws, sublinhando pela presença invisível o receio mais eficaz.
Aquilo que o filme faz com o som envolvente ou o que consegue sugerir com um foco de lanterna olhando nada mais do que ervas altas tocadas pelo vento deixa o espectador em suspenso como nenhuma correria desenfreada em direcção à câmara conseguiria.
O ambiente destes monstros criados pelos próprios que os vão caçar é propício a tratar a verdadeira história que o filme tem para contar.
Uma história de família onde um membro externo tem de disputar a sua aceitação e, ainda mais concreto e premente, tem de disputar a libertação dos encargos familiares para a sua futura mulher que está grávida mas, nem assim, consegue rejeitar as exigências do pai.
O outsider, a princípio incapaz de disparar um tiro contra um animal e por isso ainda mais à parte naquela família de caçadores, estava ali para uma conversa com o seu adversário na disputa pelo futuro da mulher.
Pelo caminho tornar-se-á um sobrevivente, um homem do mato como o seu adversário - que permanecerá a seu lado, inevitavelmente, até a um eventual fim - não foi capaz de ser.
Isso está longe de o tornar um membro da família, está longe de lhe garantir um espaço de nobreza que lhe permita estar se não pertencer. Porque a família se desfaz ali, porque as suas acções preservam o núcleo familiar que está a tentar criar mas falham em entender o núcleo a que ele deveria chegar.
Família e aceitação, temas que emergem da caçada perante o grupo como estrutura que encerra a individualidade e o conflito pessoal, sobreturo como estrutura que bloqueia qualquer ameça que o afecte.
Ameaças externas, obviamente, quando a natureza se torna feroz e até ameaças internas que já não preservem a família acima de tudo. A família, no limite a que este filme a leva, protege-se a si própria das ameças de que é causadora.
Tudo sobressai da interpretação de Grégoire Colin que cresce com o filme, da fraqueza à intensidade visceral. François Levantal dá-lhe luta quando se trata de disputar as melhores cenas, servindo-se de um simples semblante cerrado para sugerir tudo o que ele tem pronto a libertar-se.
São eles as verdadeiras figuras - as verdadeiras feras - deste filme, um drama que se desenrola em terrenos em que o domínio humano está sempre em causa e onde a (verdadeira) natureza (humana e grupal) se impõem.
Se é verdade que algum do mais radical cinema de terror tem emergido de França, nenhum filme tinha ainda cultivado desta forma a própria tradição dramática do cinema local no seio do género.



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